sexta-feira, 19 de abril de 2024

USAVEIS E DESCARTÁVEIS

O valor da vida alheia está em baixa!

Nos tempos que correm, porque, de facto, muitas pessoas correm, em busca de satisfazerem uma eterna insatisfação, o outro ser-humano, para estas pessoas, passou a ser considerado como um mero instrumento de superação da sua insatisfação.

Por elas, passamos a ser procurados, como quem procura um produto numa farmácia que seja composto por uma fórmula milagrosa que preenche aquele vazio que de outra forma mais natural não se consegue preencher. Chegadas a casa, somos usados até à overdose e posteriormente, quer embalagem, quer blister, quer caixa, quer bula, são literalmente jogados no lixo, na melhor das hipóteses na reciclagem, quem sabe um dia serviremos para outros propósitos, igualmente consumistas.

Convencidas que desta forma conseguirão resolver as suas mais gritantes frustrações, assim vão pela vida fora, somando e seguindo, estas pessoas, uma infindável coleção de episódios muito fugazes de usufruto da vida alheia, numa ilusão sem fim que as outras pessoas apenas servem para servir.

As outras pessoas somos todas/os nós, seres-humanos dignos de respeito e consideração, que não nos poderemos sujeitar ao redutor papel de mero tónico efémero da vida de outrem. Ser-se usada/o e descartada/o por outra pessoa, é das situações mais indignas a que possamos estar sujeitos, por isso e para que isso não aconteça, é necessário algo indubitável, experiência de vida. Experiência essa que se adquire com o peito virado para a vida, o que por vezes dói. Nesses embates vamos aferindo até que ponto nos poderemos sujeitar a ser apenas algo usável e descartável na vida de alguém, ou ser alguém.

Saber o que se quer da vida é uma tarefa árdua e que se deseja o mais precoce possível, caso contrário, poderemos atropelar outros humanos, os inocentes em relação às nossas dúvidas existenciais. Posto isto, não podemos, nem ser o comprimido para as dores de cabeça seja de quem for, nem delas fazer essa medicação. Para sermos felizes e fazermos as outras pessoas felizes, existe apenas uma “medicação” possível, que se chama “Ben-U-Resolvido”.



Pedro Ferreira © 2024
(Todos os Direitos Reservados)

domingo, 26 de novembro de 2023

041 - UM DIAGNÓSTICO RECUSADO

Evidentemente que se torna profundamente estigmatizante a conotação com uma personalidade assente numa comunicação passiva-agressiva, ou, pior ainda, quando de perturbações de personalidade se trata, com uma psicopatia e outras igualmente mais complexas. Em virtude disso, pessoas neste espectro vão, obviamente, refutar qualquer diagnóstico nesse sentido.

Ademais, já seria surpreendente se tais pessoas voluntariamente se dispusessem a serem acompanhadas por especialistas, o que, infelizmente, é incomum, tampouco aceitarem qualquer resultado dessa análise. Para as mesmas pessoas, os diagnósticos estarão sempre errados, numa clara negação da sua triste realidade.

Posto isto, para as vítimas de pessoas assim, a tarefa fica dificultada, porque não podem, de maneira alguma, contar com a participação da outra parte para um possível estudo de caso e na eventualidade de o fazerem, será, única e exclusivamente para que possam tirar partido da situação, adquirindo conhecimentos acrescidos para poderem continuar a aprimorar a manipulação. Sendo assim, restará à vítima encetar essa busca por explicações, por sua exclusiva iniciativa, procurando perante especialistas e pesquizando, as respostas que tem direito em abono da sua sanidade mental.

As pessoas com uma comunicação passiva-agressiva, caso sejam confrontadas com essa realidade, responderão com frases como: “talvez o teu diagnóstico esteja errado!”. Dissecando uma resposta destas, conseguimos por si só comprovar esse mesmo diagnóstico, ou seja, reúne nela um considerável número de indicadores de ser um desses casos:

a negação do diagnostico, transferindo a responsabilidade das suas ações para um vazio, ou culpabilizando terceiras pessoas e fatores externos por algo que é exclusivamente inerente à sua condição de passiva-agressiva;

a rejeição perante o confronto com a realidade dos factos. Como qualquer pessoa com estas características tem dificuldade em expressar diretamente as suas emoções, usa preferencialmente métodos mais sutis para evitar compromissos, neste contexto em particular, seria de evitar sentir-se comprometida ao assumir um diagnóstico que a levaria a encetar um caminho de busca das soluções possíveis para com isso conseguir viver e encarar a sociedade de forma mais conseguida e menos estigmatizante, resumidamente, receio de sair da sua margem de conforto para o lado em que assume o seu problema e respetivos compromissos que daí poderiam resultar;

o incomodo da descoberta que deixa este tipo de pessoas cativas perante quem lhes retira a máscara, na medida em que adquirem, pelo menos, a consciência de que alguém será eternamente detentora da chave que desvenda a sua pouco dignificante verdade, um dos maiores, senão o maior receio de pessoas com estas características, o de serem descobertas e caírem nas “bocas do mundo” pelos piores motivos;

o pormenor “talvez”, tem o exclusivo propósito de deixa no ar a eventual existência de outro diagnóstico que lhe seja mais favorável, porém, não descartando completamente a veracidade do ora apresentado, já na sequência da dependência emocional que cria com a sua vítima e que, provavelmente, dela jamais se conseguirá libertar. Os adiamentos são típicos nestes casos e esta é uma outra forma de o fazer, no fundo, adiando o reconhecimento de algo que lhe assombra a vida, preferindo colocar um “talvez” no caminho como escudo protetor;

a não divulgação desse outro eventual diagnóstico mais favorável, levanta desde logo a sombra de desconfiança que não existirá, tampouco fruto de qualquer trabalho nesse sentido. Este é o lado mais descarado destas pessoas, a mentira. Recorrem sistematicamente à omissão de factos que as comprometam, omissão essa cujo método mais eficaz é o silêncio e as não respostas, por razões obvias, pois bem sabem que quanto mais falarem e mais responderem mais o risco correrem de denunciarem o que não lhes convém que se saiba e quando se veem encurraladas não podendo manter a omissão, nada mais lhes restará, em contraponto ao compromisso com a verdade, que não o recurso à mentira;

revela o discurso dúbio e inconclusivo, típico destas personalidades. No alinhamento do que aqui já tem sido explicado, é uma frase obviamente dúbia e inconclusiva, fazendo parte de um padrão comunicacional característico. O propósito é sempre o mesmo, uma espécie de escudo ou máscara que protege da revelação da sua verdadeira essência, aquela que não convém que se saiba, nomeadamente quando já por si só a pessoa com este tipo de características é tendencialmente parca em convivência social, quase ausente de contacto sociais e a existirem são esporádicos e de abordagens meramente de cortesia, conferindo-lhes uma falsa imagem de gente séria e cordial, de quem pouco se sabe, discreta o suficiente para não ser alvo de falatório;

esconde informação fulcral para o bom entendimento do assunto em questão, quando seria tão mais fácil para ambas as partes, facultar a respetiva informação, a existir, para que os passos seguintes fossem dados de forma perfeitamente consciente da realidade com que se está a ser confrontado, em vez desta, evidente, vantagem de uma só parte em prolongar um jogo comunicacional que alimenta o efeito dúvida, nada mais, nada menos que evitar confrontos e manifestação de frustrações de forma direta;

se estivermos um pouco mais atentos, nesta mesma frase, poder-se-á ainda encontrar o lado sarcástico destas pessoas, porque deixa no ar alguma ironia perversa de que “eu até sei o que tu nem imaginas que sei”. Numa espécie de subestimação dos conhecimentos alheios e tentativa de se sobreporem com os seus;

É sempre bom lembrar que as pessoas com este tipo de características, evitam ao máximo a abordagem presencial e refugiam-se em mensagens escritas com frases ambíguas e soltas a espaços, compostas de poucas palavras, preferencialmente com significado dúbio e inconclusivo, mesmo quando se lhes pede uma resposta simples de sim ou não, o mais provável é ler-se um “sim e não”, ou nem sequer respondem. Um dos propósitos disto, é que desta forma evitam outro risco, que é denunciarem-se pela comunicação não verbal, nomeadamente as expressões faciais, desfasadas do seu discurso, em que a mentira se solta como se fosse uma verdade inquestionável, mas o rosto rígido, de olhos esbugalhados, em simultâneo dizendo o contrário, numa aparente calma profundamente denunciadora. Este é um dos grandes “tendões de Aquiles” das pessoas com estas características passiva-agressivas, porque ao contrário de outras, as suas mentiras são tão básicas e tão evidentes que facilmente são percecionadas.

O seu desagrado, também, pode ser manifestado com outro tipo de práticas, altamente penalizadoras para com quem lida com estas pessoas, como a de adiarem tarefas ou responsabilidades, o que pode ser grave, quando em questão estejam expectativas de vida a dois, fazendo suas vítimas crerem que o caminho será nesse sentido, quando na verdade boicotam em silêncio essas expectativas, chegando mesmo a anuírem, mas as suas ações de não cooperação mostrarem exatamente o contrário. Não são pessoas sinceras, inclusive na forma de elogiarem, numa permanente crítica disfarçada.

Para encerramento desta explanação e de forma transversal a toda e qualquer circunstância e acontecimento, predomina a sua maior arma, o castigo do silêncio, inclusive no exemplo dado com a frase suprarreferida, sendo ela própria o silenciar do diagnóstico.



Pedro Ferreira © 2023
(Todos os Direitos Reservados)

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

043 - O MONÓLOGO POSSÍVEL

Uma das particularidades inerentes aos comportamentos passivos-agressivos mais evidente são os obstáculos comunicacionais deliberadamente colocados por quem tem essas características de personalidade. A comunicação em geral fica permanentemente inquinada com o claro propósito de evitarem temas sensíveis, nomeadamente os que são referentes à relação que mantêm com as suas vítimas e os motivos pelos quais nela entraram.

Para explicar este tipo de procedimento, nada melhor que dar um exemplo da comunicação que se estabelece nestes moldes, tomando como ponto de partida uma eventual viagem de carro a dois num percurso de 400 km, sendo que na mesma as iniciais PA, designam a personalidade em questão:

- Apetece-te dar um passeio?  - Pergunta a vítima, o lado construtivo da relação.

- E a ti? (inviabilização de expectativas criadas) – Responde a PA, o lado destrutivo da relação.

- Porque me devolves a pergunta se foi a ti que perguntei! – Exclama a vítima.

- Faz como entenderes! – Na mente da PA esta resposta tem implícito o descarte de qualquer responsabilidade perante outros eventuais interesses e preferências da sua vítima.

- Pronto! Como gosto de te proporcionar bons momentos, vamos lá então! – Desta forma a vítima desbloqueia a situação e assume a decisão.

- Tens preferência por algum sítio? – Coloca nova questão à PA.

- E tu? (ineficiência premeditada) – A PA volta a devolver a pergunta, exatamente com o mesmo propósito, o descarte.

Perante isto, a vítima toma os comandos da situação e tenta, sozinha, proporcionar o melhor cenário para uma viagem a dois.

Depois de percorridos os primeiros 50 km:

- Soube-te bem dormir esta meia-horinha? – Pergunta a vítima ao aperceber-se que a PA acaba de despertar do seu primeiro sono daquela viagem (o desprezo).

- Que bonita aquela paisagem ali ao fundo! – A PA desvia a conversa, para que a vítima não a desenvolva no sentido de lhe chamar à atenção para o desprezo a que foi votada logo no início da viagem que deveria ser de partilha e agrado mútuo.

Entretanto, dos 50 aos 150 km de viagem, simplesmente silêncio (a tortura do silêncio) …

Incomodada com aquela abstração e falta de companhia, a vítima volta a tentar quebrar o silêncio, usando palavras ternas e cautelosas, com receio do efeito contrário:

- Gostas da minha companhia?

- E tu, gostas da minha? (irritar pouco a pouco) – A PA volta a devolver a questão, não deixando à sua vítima outra hipótese senão entrar no jogo.

- Não achas que num casal deve existir diálogo e não este tipo de conversa disforme?

Silêncio…

Decorridos mais 50 km, aos 200 de viagem, portanto, a vítima, já uma pilha de nervos por dentro, mas contendo-se, volta a tentar:

- Fiz-te uma pergunta há meia-hora atrás e ainda não respondeste…

Silêncio… que dura mais 50 km!

Não podendo permitir durante mais tempo aquele ambiente enervante, a vítima, opta pelo monólogo e pede a atenção da PA para o que vai dizer a seguir:

- Bom, já que não dizes nada, tampouco respondes ao que te pergunto, obrigas-me a recordar-te que isso é profundamente enervante e deixa-me bastante infeliz, pois, não é suposto que alguém que diz que me ama, sujeitar-me a esta indiferença, inclusive, falta de respeito, porque no mínimo, dirias, não me apetece conversar. Porém, sei que não é isso que se passa, caso contrário nunca te apeteceria conversar, o que não é verdade, na medida em que quando estás com outras pessoas, entusiasmas-te em conversas completamente fúteis. Não me parece correto.

Silêncio… silêncio… silêncio…

E até ao fim da viagem… silêncio!

No dia seguinte… silêncio!

Entretanto, nos caminhos do dia a dia, passa a vizinha na rua e vira-se a PA para a sua vítima:

- Estás a ver aquela que ali passou! Olha, anda a trair o marido com o patrão, uma desavergonhada, ainda por cima com filhos pequenos. O marido é um doce de pessoa, trata-a tão bem e a bandida faz-lhe isto ao coitado do homem… blá… blá… bla… (interesse pela vida alheia e julgamento das outras pessoas).

Ao final da tarde, num serão em casa de familiares, novamente o mesmo assunto:

- Sabem quem passou por nós na rua? Aquela que engana o marido… blá… blá… blá…

Ao final do dia, pergunta a vítima:

- Curioso o teu entusiasmo quando o assunto é a vida alheia, em total contrate com os assuntos da vida em casal!

Silêncio…

Três meses mais tarde, entremeados de múltiplos silêncios e não respostas, ao ver a PA a demarcar-se da relação (a covardia), a vítima pergunta:

- Então, estás de partida?

Pergunta à qual a PA, surpreendentemente, responde, obviamente, com poucas palavras e em frases curtas:

- Como posso ficar na vida de quem só diz mal de mim! Que sou enervante, fútil, não faço companhia, falo da vida alheia, etc… Até fico com medo! Já nem consigo descansar só com receio do que mais irás dizer de mim a seguir …

Seis meses mais tarde, sem notícias da PA (a raiva), a vítima recebe no seu telemóvel, do nada, a seguinte mensagem: “saudades” (a evasiva), à qual responde:

- Não deves ter, caso contrário terias outro tipo comportamento.

Entretanto, algumas horas mais tarde, chega outra mensagem, dizendo: “não fui eu que me afastei, tu é que levaste a sério quando eu dei a relação por acabada”. Pasme-se!!! Isto é mesmo assim! (não assumir responsabilidades e imputá-las à outra parte).

- Estás arrependida, é! Queres voltar? – A vítima começa a testar a PA, já ciente das suas características de personalidade e da forma como age!

Umas horas mais tarde, lá vem a resposta:

- Sim!

À qual a vítima responde:

- Este sim significa que queres voltar para mim, é isso? – Novo teste!

Mais umas horas decorridas sem resposta e a vítima reformula a questão:

- Quando dizes que “sim”, é porque pretendes voltar?

Novamente silêncio de várias horas e depois de mais umas três ou quatro tentativas para que responda, finalmente, a PA manifesta-se (a procrastinação):

- Não! Esse “sim” não é resposta à tua pergunta se quero voltar, juro por Deus! (a mentira).

- Então é um “sim” referente a quê?

- Não sei explicar, já nem me lembro porque disse “sim”! (o sarcasmo).

Resumidamente, é um suplício lidar com alguém passiva-agressiva, algo profundamente enervante! Nesta breve simulação de diálogo com uma personalidade desta natureza, se encontra tudo que nela encerra: a tortura do silêncio; as não respostas; o sarcasmo; a vitimização; a desresponsabilização; a raiva contida; a covardia; a mentira; a procrastinação; enervar pouco a pouco; ineficiência premeditada; inviabilização de expectativas criadas; o julgamento alheio… a maldade em geral!



Pedro Ferreira © 2023
(Todos os Direitos Reservados)

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

042 - TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PASSIVA-AGRESSIVA

Em primeiro lugar, para se entender como são exercidas as técnicas de manipulação por parte de uma pessoa passiva-agressiva, convém recordar que este tipo de pessoas têm guardado em si, a “sete chaves”, uma necessidade de vingança constante por situações de desagrado que vão acumulando ao longo da vida e que não souberam manifestar em devido tempo, logo essa raiva contida vai escoando lentamente e de forma muito subtil sempre que as condições lhes sejam favoráveis, por vezes, nas rotinas do dia a dia, ou em momentos que parecem não se revestirem de grande importância, com pequenas atitudes que, à partida, parecem inocentes…, mas não são!

Porém, é nos momentos mais importantes e decisivos que estas pessoas aplicam o seus golpes, sempre de forma traiçoeira, levando a sua vítima a crer num determinado caminho, segurando uma das suas mãos, numa aparente passividade de quem se deixa conduzir voluntariamente, enquanto que com a outra mão lhe aplica uma facada nas costas, para mais adiante, com a maior desfaçatez ainda se virarem para a vítima e dizerem que um dia saberão porque o fizeram.

É exatamente neste ponto que entra a questão da manipulação, ou seja, a necessidade que a pessoa passiva-agressiva tem de validar uma pseudo argumentação, numa clara atitude de manter a vítima numa prisão emocional, levando-a a desgastar-se em pensamentos, procurando decifrar qual a atenuante que conferisse algum sentido para esse comportamento.

Esta forma de manipulação invisível, é, também, frequentemente utilizada para as pessoas passiva-agressivas se descartarem dos seus compromissos, deixando no ar um vazio interpretativo da situação, que confundirá a vítima e que durará para todo o sempre. Formas de agir estas, que, geralmente são legendadas por frases como: “um dia saberás porque agi assim e se não for eu a dizer-to, alguém o dirá por mim”!

Por um lado, agridem e em simultâneo vão dizendo que amam a pessoa agredida, por outro, abandonam-na e em simultâneo vão dizendo que um dia haverá uma forte explicação para isso. Naturalmente, nunca tais explicações chegarão, porque não é por amor que uma pessoa passiva-agressiva se prende às pessoas, mas por raiva. E mesmo que um dia mais tarde a vítima retomasse o assunto, a resposta iria sempre no mesmo sentido, de manter o mistério, desta feita dizendo que o tempo, entretanto, passou e já não fará sentido voltar ao assunto.

Evidentemente que esta forma de manter as vítimas emocionalmente presas, traz para a pessoa passiva-agressiva várias vantagens, de entre as quais, se destacam as seguintes:

Primeiramente, a que já se subentende nos anteriores parágrafos, que é a tentativa de passarem uma imagem de alguém que tem motivos mais que suficientes para se defender de algo, mesmo que esse algo nunca venha a ser conhecido, porque, pura e simplesmente não existe, não passando, portanto, por outras palavras, de uma forma de camuflar a verdade dos factos, num claro infundado apelo à inocência, na medida em que estão perfeitamente cientes que é de sua parte que nasce a perversidade, a mesma que não lhes convém que se saiba para não serem beliscadas na sua imagem;

Seguidamente, tais atitudes, vão proporcionar à pessoa passiva-agressiva, de igual modo, a ideia de vítima das circunstâncias, de tal forma, que o modo enfático como se referem à “grande revelação” que um dia chegará, pressupõe algo terrível e fortemente condicionante que a levou a ter tais comportamentos tão incompreensíveis, assim como justificará a própria rutura, transportando, de imediato, a mente da vítima para um eventual cenário de doença grave e, quem sabe, a tentativa implícita de poupar a parte lesada de um fardo mais pesado no futuro, num simulado ato de comiseração, quem sabe, interpretado como sendo de amor;

Por outro lado, como as pessoas com este tipo de personalidade, mentem e muito, uma obvia ferramenta de operacionalidade das suas intenções, desta forma, ao “chutarem” para diante qualquer explicação, evitam que tenham de mentir de forma descarada e serem apanhadas na hora, ou não fosse a mentira um ato de comunicação, ou seja, quanto menos explicações derem no momento e mais ao silêncio se votarem, menos risco correm de serem apanhadas a mentir, ou a contradizerem-se, muito menos a comprometerem-se. A omissão, é sempre a escapatória mais covarde.

Viver com uma pessoa passiva-agressiva, é como viver permanentemente à espera de nada, porque nada existe. Impossível criarem-se projetos conjuntos tendo por base o vazio, daí que para as vítimas, todo o ambiente gerado em torno da presença de alguém com este traço de personalidade, facilmente se torna insuportável, levando-a a definhar, a descrer, a adoecer e a envelhecer rapidamente, perdendo completamente a esperança numa relação que de início lhe foi, ardilosamente, perspetivada como promissora, restando-lhe o lamento pelo tempo perdido de forma completamente inglória e nada se aprende.

São formas muito subtis de magoar e de descarregar a raiva, um comportamento altamente perverso que não costuma olhar a quem, nem a meios, para produzir efeitos, não cuidam em saber se do lado de lá estará alguém sofrido pelas agruras da vida, ou menores, pelo contrário, quanto mais vulnerável e fragilizado estiver o seu alvo, mais campo de manobra lhes aflora para apertarem o asfixiante nó em torno da “presa”.

Não é um comportamento fácil de detetar, aliás, anda há muito tempo a dividir a classe científica, variando opiniões entre mera forma de comunicação ou perturbação de personalidade, mas para o efeito, ou melhor, para as vítimas, isso é de somenos importância, porque na verdade veem-se usadas para um único fim, serem um depósito da raiva acumulada de quem não está bem com a vida, nem se consegue integrar socialmente, vivendo de superficialidades e futilidades como forma compensatória da tristeza que é ter a plena consciência de que se tem um grave problema de personalidade altamente inibidor, que lhe confere a amarga sensação de que nunca conseguirão fazer ninguém feliz.

O mundo onde se movem estas pessoas é sombrio, frio e distante, os espaços são encarados como arenas de competição constante para ver quem mais se defende causando maior dano, num jogo sujo de parcas palavras de onde tentam sair de cara lavada e com aquele sorriso encoberto, não pela vitória pessoal, mas pela derrota alheia. Porém, quando, ao final do dia, se encontram no seu reduto, não passam de covardes guerreiras e guerreiros que se enrolam em posição fetal, num corpo fechado, isoladas/os do mundo da luz, algo que lhes atormenta as entranhas, entrando num eterno ciclo vicioso de replicarem comportamentos passivo-agressivos, de onde já não conseguem sair para o resto da vida, deixando atrás de si um lastro de dano em causa alheia, assim como de casos mal resolvidos, repletos de frustrações afetivas, cuja noção disso lhes conduz à pior condição humana, o ódio.

Contudo, por mais calculado e premeditado que seja o asfixiante abraço de uma cobra, esta poderá não ter a astúcia suficiente para selecionar a presa perfeita e é nesta margem de manobra que a vítima poderá surpreender, simplesmente, gritando ao mundo para que possam ver de que pele se reveste aquele abraço e por mais que se tente esconder no seu reduto, já não conseguirá escapar da fama que granjeou nos momentos de predação.



Pedro Ferreira © 2023
(Todos os Direitos Reservados)

sábado, 30 de setembro de 2023

O ALERTA JÁ NÃO BASTA

Pode tratar-se de um assunto enfadonho, aquele que se prende com a mente e toda a parafernália de emoções em torno disso, nomeadamente as que resultam das relações tóxicas. Porém, não serão certamente poucas as pessoas que estarão na condição de vítimas desta circunstância, mas que ainda tendem a morar no silêncio dos inocentes, as mesmas que parecem desistir de lutarem contra um mal instalado na nossa sociedade que a todas as pessoas afeta direta ou indiretamente. Mesmo as que têm a perfeita noção da situação em que se encontram, nem sempre o conseguem expressar de forma esclarecedora, fazendo-se entender na sua dor, preferindo o refúgio e infelizmente, em muitos casos, entrando em depressão, ou até cometem suicídio, pois este assunto é realmente um drama para quem o vive, a pior experiência relacional que se pode ter.

Posto isto, é essencial estar em permanente alerta, mesmo que em assunto tão delicado o alerta em si só já não baste quando alguém em nossas vidas manifestar comportamentos dificilmente compreensíveis, com o consequente recurso a desculpas sem sentido, pois poderá tratar-se de alguém com uma personalidade perturbada e as consequências daí em diante não serão, certamente, muito agradáveis.

Mesmo assim, são ainda bastantes os casos de pessoas que relatam as suas tenebrosas experiências, curiosamente referindo-se a atitudes em tudo similares entre as várias histórias, como, por exemplo, o facto de serem cativadas por pessoas que se apresentam como livres e descomprometidas para uma relação de futuro, quando na verdade, mais tarde, se vem a descobrir que são comprometidas, ou coabitam com terceiras pessoas, igualmente vitimas de toda a situação.

Já começa a soar a flagelo esta praga de falsários e falsárias que se aproximam de pessoas bem formadas e sensíveis para aplicarem os golpes mais baixos, fazendo-se passar por gente bem formada e socialmente admirada, quando na verdade são exatamente o contrário, usam máscaras quase impercetíveis, rigorosamente estudadas para se apresentarem com uma diferente perante cada tipo de pessoa, as chamadas pessoas de duas caras ou múltiplas personalidades, a roçar a perturbação de identidade dissociativa.

São criaturas que se encontram perfeitamente integradas na sociedade, com suas famílias e empregos, ambos aparentemente bem estruturados, totalmente insuspeitas de tão perfeita ser a máscara, a mesma que camufla a verdade, a falta de autoestima vivida dentro do mais profundo reduto da sua existência.

Se não derem notícias durante dias a fio e depois alegarem que amam mas estiveram ocupadas; se usarem a doença de familiares como desculpa para não ouvirem os lamentos do seu par; se hoje disserem que amam e amanhã disserem que não; se hoje prometerem uma vida em família serena e bela e quando convidadas a passarem à prática enrolarem a conversa; se alegarem ataques de pânico ou outros problemas de saúde para despertar piedade; etc..., muito cuidado, são fortes potenciais ao enquadramento no grupo de pessoas com perturbações de personalidade.

A violência doméstica, tão falada hoje em dia, será fruto do acaso, ou, na verdade, é tão-somente a consequência da permissão das vítimas em deixar permanecer em suas vidas toda aquela criatura que revela este tipo de comportamentos, a quem vão desculpando dia após dia até ao dia fatal...




Pedro Ferreira © 2019
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A HONRA DAS NOSSAS LÁGRIMAS


Pedro Ferreira © 2020
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PODERÁ UMA PERSONALIDADE PASSIVA-AGRESSIVA DEIXAR DE O SER?

Provavelmente, muitas das pessoas que leem este texto já terão conhecido alguém que perante questões interpessoais que têm de ser resolvidas, no lugar do diálogo para se chegar a um consenso, vota-se ao silêncio, pesando o ambiente e agravando a situação.

Existe a forte possibilidade de estarem perante alguém com uma personalidade passiva-agressiva;

Para além dos silêncios, são pessoas que manifestam atitudes e um modo de estar em geral que se caracteriza, de entre outras formas, das seguintes, nomeadamente em relações a dois, ou de coabitação:

São frequentemente sarcásticas e inconvenientes, fazendo chacota das limitações e dificuldades alheias, assim como de quem vê as coisas de forma diferente da sua. Exemplos: captam disfarçadamente e de forma abusiva, entrando em devassa da vida privada, imagens de quem se apresenta de uma maneira mais simplória, que depois mostram a terceiras pessoas, em complô, com o propósito de despertar risada coletiva; e/ou recolhem escritos de quem revela menor iliteracia, com a mesma finalidade;

Tendem a realizar algumas tarefas, propositadamente, de forma ineficiente, nomeadamente as rotineiras, para de seguida poderem alegar “falta de jeito”, com o objetivo delas se descartarem, assim como das responsabilidades caso algo não decorra conforme suposto. Exemplos: colocam a loiça na máquina sem qualquer critério e dizem que a seguir alguém a colocará devidamente; e/ou desculpam-se da falta de iniciativa para confecionar refeições dizendo que a outra parte as confeciona melhor;

Agem de forma a irritar as outras pessoas pouco a pouco, principalmente quando alguém lhes refere algo em desagrado, o que espoleta na pessoa passiva-agressiva a vontade de fazer cada vez mais e pior. Exemplos: se a pessoa com quem vive disser que gosta de companhia às refeições, tendem a serem as últimas a sentarem-se à mesa, não disfarçando que estão a fazê-lo por frete; e/ou recusarem-se a dar sugestões para uma refeição fora de casa, para de seguida apontarem defeitos à escolha feita pelo seu par;

Reprimem ou negam, assim como evitam expressar sentimentos negativos, dizendo que está tudo bem quando, na verdade, estão visivelmente incomodadas. Porém não os desvalorizam, pelo contrário, acumulam-nos no seu íntimo. Exemplos: passam horas a fio num constante estado de tensão pautado por uma resposta agressivamente silenciosa, no lugar de reportarem aquilo que lhes incomoda; e/ou refugiam-se em expressões como “tanto faz” para dias mais tarde, cobrarem que os seus interesses e preferências não foram tidos em conta;

São pessoas dadas à procrastinação de forma a compensarem as suas frustrações e, em simultâneo, produzirem um efeito de ansiedade nas outras pessoas, deixando pendentes iniciativas pontuais previamente combinadas. Exemplos: largarem o telemóvel somente uns 10 minutos depois de ter iniciado o filme que foi combinado ver a dois; e/ou deixando-se estar no conforto do sofá da sala na receção às pessoas convidadas para um almoço, enquanto a outra parte organiza a refeição sozinha;

As pessoas com personalidade passiva-agressiva, criam expectativas de cooperação, mas secretamente escondem a não intenção de cooperarem, gerando, desta forma, expectativas infundadas em quem nelas acreditou. Exemplos: darem a entender interesse numa relação séria e de futuro com alguém, mas esquivarem-se sempre a todas as iniciativas e diálogos sobre esse propósito, não se importando minimamente com o facto da outra parte ter tal objetivo como ideal de vida, tampouco se inibem de envolver nesse contexto de falsidade seja quem for, familiares diretos, menores e afins; e/ou ainda naquelas situações em que o seu par revela um interesse em marcar presença num evento social para o qual foi convidado e por mais vezes que lhe recorde o convite, não dão qualquer resposta, fingindo esquecimento;

São pessoas evasivas e reservadas, seres escorregadios que ninguém sabe muito bem porque lado pode pegar. Tentam passar uma imagem social irrepreensível, no entanto, na sombra são capazes das piores indecências, ficando apavoradas com a ideia de serem descobertas e se tronarem motivo de conversa. Exemplos: desdobrarem-se em críticas aos comportamentos alheios, fazendo reparos sucessivos caso não encontrem as coisas como deveriam ser apresentadas, porém capazes de desarrumarem abusivamente o expositor de uma loja e à saída dizerem que quem lá trabalha é paga para arrumar; e/ou deitarem lixo para o chão e dizerem que alguém será pago para limpar;

Utilizam como meio de comunicação preferencial as mensagens de texto para evitarem o contato direto. Exemplo: no lugar dos diálogos frente a frente em permanente troca de ideias com busca a um entendimento, refugiam-se em mensagens eletrónicas fora de contexto e a despropósito, que sabem não as comprometerem e que em simultâneo irão frustrar os propósitos de diálogo de quem as recebe, num permanente passa à frente em relação à resolução de assuntos pendentes, os tais que lhes convém manter por resolver, como método de agressão passiva;

Fazem-se de vítimas em relação a uma pessoa que lhes expressa abertamente algum desagrado. Exemplos: se o seu par lhes disser, justificadamente, que não gostou do seu comportamento em determinada circunstância, dizem-se vítimas do facto de serem recriminadas, ao ponto de alegarem não conseguirem descansar à noite com receio de voltarem a ouvir um reparo no dia seguinte; e/ou capazes de efetivarem claramente ruturas afetivas, de malas feitas à porta e depois culparem o seu par do fim da relação porque não deveria ter entendido a rutura como tal, mas sim como uma mera zanga circunstancial de casal; e/ou, ainda a este último propósito, voltarem a culpabilizar a verdadeira vítima de ter inviabilizado o retorno ao manifestar a sua revolta pela forma indigna como foi posto fim à relação;

São pessoas controladoras. Exemplos: utilizam janelas, varandas e terraços como postos de vigia preferenciais de onde espreitam a vida alheia; e/ou utilizando monitores com a ilusão de sobre essas pessoas exercerem algum controlo ao pesquizarem dados pessoais e comportamentos em rede; e/ou caminharem pela rua a olhar sistematicamente para trás até perderem de vista a pessoa alvo que identificaram de passagem;

Projetam as suas falhas nas outras pessoas. Exemplos: se forem grosseiras numa resposta, a culpa foi da parte que as surpreendeu com a pergunta; e/ou quando colocam perguntas ofensivas e tendenciosas, a culpa, também, é da outra parte, porque levou a sério e não entendeu que “foi a brincar”;

São pessoas manipuladoras. Exemplo: ficam várias horas sem darem notícias e quando a outra parte se mostra em desagrado, colocam-se logo no papel de vítimas do reparo, alegando como desculpa o facto de terem ido às compras e que nelas incluía uma surpresa, que dessa forma ficou inviabilizada, numa clara chantagem emocional; e/ou, mentem descaradamente, inclusive sob jura divina, simplesmente para tentarem impedir que a outra parte dê conta da verdade e não as confronte com ela;

Nunca respondem de forma objetiva e clara, pelo contrário, à mais trivial questão, ou à mais complexa, respondem sempre de forma dúbia, ou devolvendo a pergunta: Exemplos: se lhes perguntarem se querem ir à praia ou ao campo, respondem com a mesma pergunta, “e tu”; e/ou se lhes perguntarem se têm saudades de algo ou de alguém, respondem que “sim e não”; e/ou se lhes perguntarem quando podem conversar, se hoje, amanhã ou noutro dia, respondem simplesmente “não posso”;

Terminam as suas relações com recurso ao Ghosting, afastando-se repentinamente, assim como, posteriormente, se dedicam ao chamado Haunting, enviando mensagens avulso à vítima completamente fora de contexto e sem processo de continuidade. Exemplo: escolhem datas emocionalmente significativas para a vítima e endereçam mensagens curtas e padronizadas com o propósito de afetar emocionalmente o seu alvo; e/ou fazerem, exatamente o mesmo, em datas de significativas referentes à relação que elas próprias romperam; fazem ligações telefónicas para a vítima, quando intuem que esteja na companhia de outra pessoa, alegando tratar-se de um engano, simplesmente para causarem desconforto.

São inúmeros os tópicos que aqui caberiam para definirem os comportamentos das personalidades passivas-agressivas, um tipo de personalidade que já constou da lista de perturbações de personalidade, porém, em virtude das diferentes opiniões técnicas sobre o assunto, acaba por ser considerado, apenas, um traço de personalidade, daí o propósito do título deste texto, de tentar aferir até que ponto pode ser reversível.

É de bom senso desejar-se o melhor para as vítimas de pessoas que se viram envolvidas com quem tenha uma personalidade passiva-agressiva, assim como será de bom senso desejar que seja possível que quem a tem possa tornar-se melhor pessoa, porém, não parece ser fácil, pois, para além de tudo aquilo que atrás se refere, tratam-se de pessoas que recusam terminantemente aceitar a ideia de assim o serem, não aceitando qualquer tipo de aconselhamento.

Trata-se, portanto, de uma questão que viverá eternamente no ar sem uma resposta concreta, quiçá uma esperança infundada que a própria pessoa com uma personalidade passiva-agressiva, por si só, movida por uma força maior, um dia mais tarde, se toque e peça ajuda.

Quem vive com alguém que tenha uma personalidade passiva-agressiva, vive num constante turbilhão de emoções contidas, que provoca desgaste e tristeza galopantes, consequências do não retorno às solicitações de debate sobre as questões prementes que os une, levando a vítima, mais adiante, à inibição de convite aos diálogos, com receio de voltar a incomodar-se sem proveito algum, resultando em mais desgaste, porque sabe, de antemão, que eles não vão acontecer. É o equivalente a viver sistematicamente num tormento marcado por uma eterna indefinição, num galopante dia a dia sem rumo, uma autossabotagem sem a garantia de resultados práticos, um sim e um não a todo o segundo, no fundo, ir a jogo onde a derrota é o único desfecho possível.



Pedro Ferreira © 2023
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