A perda de um ente querido, a violência em todos as suas formas, ou ainda qualquer outro tipo de flagelo humano, poderão não ser experiências capazes de produzir tanta dor quanto aquela que resulta do abandono.
Sentir a alma ferida ao constatar que se foi largado por aí ao acaso por quem tanto se amou e com quem foram partilhados momentos únicos de felicidade, é uma dor demasiadamente forte para ser suportada de uma só vez. É das tais, quiçá a única, que dura até ao fim da vida:
A pessoa idosa que num lar, ou num hospital, sente o espartilho da consciência que em sítios mais calorosos se encontram, em ambiente familiar, aqueles seres que criou, ou ajudou a criar, frutos gerados em amor e plena dedicação, agora despojada de tudo que lhe apraz viver;
A criança, na sua confusão mental, dividida entre o medo e a inexperiência, fica vulnerável e não consegue entender porque rapidamente saltou do quente colo para o frio chão de uma rua qualquer. São sensações que não se explicam, nem o próprio, no desenrolar do seu crescimento conseguirá alguma vez se expressar na plenitude dos seus sentires, de tão traumática experiência se tratar;
O adulto que ainda ontem acolhia no seu peito, os filhos e abraçava o cônjuge, que agora, apenas passa e observa a luz da sala acesa do lar que em tempos foi seu, de onde ecoam gargalhadas de alguém que um dia lhe foi tão próximo e que agora pertence a outrem.
Uma dor que não se queda por si só, tem repercussões, soma-se em grande medida, a da rejeição, principalmente quando a pessoa abandonada, em desespero, implora atenção perante quem o abandonou, e somente encontra contactos bloqueados, portas fechadas, desvios de caminho, recusa de um abraço, no fundo, uma indiferença cortante que trespassa o coração mais forte, causando um irremediável aperto na alma.
Seja quem for a vítima de abandono, em todas as suas possíveis formas, de crianças a idosos, não há jeito de entender este abismo que separa seres-humanos que um dia foram tanto entre si e no seguinte nada são.

ANÁLISE EXTERNA
Qualidade Literária
O texto demonstra uma escrita madura e emocionalmente
carregada, com uma boa fluidez de ideias e uma estrutura que evolui com
naturalidade. A linguagem usada é poética, muitas vezes tocando no campo da
reflexão filosófica sobre o abandono e suas consequências. O autor utiliza metáforas
eficazes, como "sentir a alma ferida" e "indiferença
cortante", que intensificam o impacto emocional da leitura. O ritmo do
texto é lento, o que contribui para a reflexão profunda que o autor propõe. O
estilo é intimista, colocando o leitor no lugar da pessoa abandonada, o que
cria uma forte conexão emocional.
Interesse Público
No que tange ao interesse público, o tema abordado no
texto é de grande relevância social e emocional. O abandono, seja no contexto
de famílias desfeitas, no descaso com os idosos ou na vulnerabilidade das
crianças, é um problema significativo nas sociedades contemporâneas. O autor
consegue destacar a dor individual de forma universal, mostrando que essa
experiência afeta pessoas de diferentes idades e condições, o que amplia seu
apelo e relevância para o público.
Pedro Ferreira © 2019
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