segunda-feira, 10 de março de 2025

O ABANDONO É A DOR MAIS CRUEL

A perda de um ente querido, a violência em todos as suas formas, ou ainda qualquer outro tipo de flagelo humano, poderão não ser experiências capazes de produzir tanta dor quanto aquela que resulta do abandono.

Sentir a alma ferida ao constatar que se foi largado por aí ao acaso por quem tanto se amou e com quem foram partilhados momentos únicos de felicidade, é uma dor demasiadamente forte para ser suportada de uma só vez. É das tais, quiçá a única, que dura até ao fim da vida:

A pessoa idosa que num lar, ou num hospital, sente o espartilho da consciência que em sítios mais calorosos se encontram, em ambiente familiar, aqueles seres que criou, ou ajudou a criar, frutos gerados em amor e plena dedicação, agora despojada de tudo que lhe apraz viver;

A criança, na sua confusão mental, dividida entre o medo e a inexperiência, fica vulnerável e não consegue entender porque rapidamente saltou do quente colo para o frio chão de uma rua qualquer. São sensações que não se explicam, nem o próprio, no desenrolar do seu crescimento conseguirá alguma vez se expressar na plenitude dos seus sentires, de tão traumática experiência se tratar;

O adulto que ainda ontem acolhia no seu peito, os filhos e abraçava o cônjuge, que agora, apenas passa e observa a luz da sala acesa do lar que em tempos foi seu, de onde ecoam gargalhadas de alguém que um dia lhe foi tão próximo e que agora pertence a outrem.

Uma dor que não se queda por si só, tem repercussões, soma-se em grande medida, a da rejeição, principalmente quando a pessoa abandonada, em desespero, implora atenção perante quem o abandonou, e somente encontra contactos bloqueados, portas fechadas, desvios de caminho, recusa de um abraço, no fundo, uma indiferença cortante que trespassa o coração mais forte, causando um irremediável aperto na alma.

Seja quem for a vítima de abandono, em todas as suas possíveis formas, de crianças a idosos, não há jeito de entender este abismo que separa seres-humanos que um dia foram tanto entre si e no seguinte nada são.





ANÁLISE EXTERNA


Qualidade Literária

O texto demonstra uma escrita madura e emocionalmente carregada, com uma boa fluidez de ideias e uma estrutura que evolui com naturalidade. A linguagem usada é poética, muitas vezes tocando no campo da reflexão filosófica sobre o abandono e suas consequências. O autor utiliza metáforas eficazes, como "sentir a alma ferida" e "indiferença cortante", que intensificam o impacto emocional da leitura. O ritmo do texto é lento, o que contribui para a reflexão profunda que o autor propõe. O estilo é intimista, colocando o leitor no lugar da pessoa abandonada, o que cria uma forte conexão emocional.


Interesse Público

No que tange ao interesse público, o tema abordado no texto é de grande relevância social e emocional. O abandono, seja no contexto de famílias desfeitas, no descaso com os idosos ou na vulnerabilidade das crianças, é um problema significativo nas sociedades contemporâneas. O autor consegue destacar a dor individual de forma universal, mostrando que essa experiência afeta pessoas de diferentes idades e condições, o que amplia seu apelo e relevância para o público.


Pedro Ferreira © 2019
(Todos os Direitos Reservados)

domingo, 6 de outubro de 2024

MANIPULAÇÃO BÁSICA – 001

AO TELEMÓVEL DURANTE AS REFEIÇÕES


Este será o primeiro exemplo de uma série de técnicas de manipulação básica, não entrando, portanto, no campo da manipulação mais elaborada e complexa, mas que acredito seja o suficiente para dar o alerta a quem não se aperceba que esteja a ser manipulada/o.

Nada melhor, para este tipo de exemplos, que a simulação de diálogos entre a pessoa que tenta manipular (seguidamente denominada pela letra M) e a que está a ser alvo dessa tentativa (seguidamente denominada pela letra A):

A: - Não me parece bem que, em vez de conversares comigo durante as refeições, estejas sistematicamente ao telemóvel!

M: - Exagero!!! Não estou sempre ao telemóvel…, agora, por exemplo, estava só a ver uma coisa muito rapidamente!

A: São muitas coisas rapidamente, então e a todas as refeições, o que não me parece bem!

M: É impressão tua! Não exageres, já disse!

A: Sejam muitas ou poucas as vezes, não importa para o caso, seria sempre falta de educação!

M: Estás a chamar-me de mal-educada!!!

A: Entende como quiseres, mas é falta de educação, quer gostes ou não!

M: Não aceito essa ofensa!

A: Então, eu é que estou a ser mal-educado em te chamar à atenção, é isso?

M: Não vejo onde esteja a falta de educação! Estás a ofender-me…

A: Queres que te peça desculpa por te achares como vítima de uma ofensa? Lamento, mas não sou manipulável!

Infelizmente, esta é uma das situações lamentável que se tornaram mais comuns em ambientes familiares e sociais, onde predomina o mau hábito de se estar ao telemóvel quando o propósito seria a alegre e salutar convivência com quem está presente, nomeadamente aquando das refeições.

Diria, uma praga que veio tirar o encanto de se estar em harmonia familiar e social, muitas vezes justificada desta forma por quem usa e abusa desse desrespeito para com as pessoas que lhe são próximas, numa atitude de clara tentativa de manipulação.

É falta de educação, ponto! É manipulação, ponto!



Pedro Ferreira © 2024
(Todos os Direitos Reservados)

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

TDAH – UMA ALUCINANTE VIAGEM DE IDAS E VOLTAS

O relacionamento com um pessoa com deficit de atenção e hiperatividade poderá vir a tornar-se num desafio cansativo e acabar num inquietante vazio.

A característica impulsiva da pessoa com TDAH potencia uma aproximação e abordagem à pessoa com quem pretende relacionar-se afetivamente, de uma forma direta, sem acautelar as consequências, manifestando o seu interesse espontânea e intensamente. O entusiasmo consegue ser tal, que comumente acontece perderem-se em longas apresentações, como quem quer dar-se a conhecer de uma só vez, amontoando temas de cariz pessoal uns nos outros e em catadupa, num discurso sem uma linha condutora, em que a páginas tantas já não se lembra por onde começou. Nestas circunstâncias, não vale a pena tentar pará-la, porque não vai permitir, pelo contrário, com o embalo do entusiasmo, aguçará ainda mais a sua tendência para se prolongar de uma forma que parece infindável, num desfilar de palavras avulso sobre tudo e sobre nada.

Paralelamente, igualmente, movida pela impulsividade e intensidade das suas emoções, tende a procurar uma proximidade física mais cedo do que seria suposto, numa entrega total e num à vontade que geralmente só se consegue numa fase bem mais adiantada de convivência em casal. Tanto em palavras, como em atos, existe a propensão para se colocar de imediato tudo a nu e ao dispor, comprometendo a outra parte a um vínculo afetivo súbito sem tempo para poder refletir e planear em consciência um relacionamento que, também, quer, por isso nada mais lhe restará senão deixar-se levar no embalo do entusiasmo, sob pena de defraudar as expectativas da pessoa com TDAH, frustrando-a e consequentemente correndo o risco de a perder, da mesma forma como a ganhou, ou seja, de imediato.

Esta intensidade e entusiasmo inicial poderá durar uma semana, aproximadamente, assim como, de um dia para o outro, a pessoa com TDAH, por uma simples palavra que a deixou confusa, pura e simplesmente de forma abrupta consegue afastar-se sem mais explicações e votar-se a um considerável tempo de silêncio, deixando perplexo e sem qualquer justificação o seu par, a quem nada mais restará senão aguardar pacientemente pelo próximo ciclo, o da reaproximação, que não tardará muito estará aí “à porta”, onde suavemente a pessoa com TDAH bate, ao jeito doce de quem quer entrar para assaltar.

Nestes casos de maior impacto, trata-se, efetivamente, de um assalto à vida de quem se torna a escolha afetiva de uma pessoa com TDAH, onde tudo que tem de mais precioso lhe é roubado e nada é deixado, desde a paz, à clarividência, passando pelo ânimo, a força física e a estabilidade emocional, tudo lhe é tirado numa alucinante experiência em que não existe hora certa, nem lugar certo, onde as coisas pairam no ar, nada é concreto, ou objetivo, em que as decisões são permanentemente chutadas para diante sem nunca se chegar a conclusão alguma, tudo é vago, desaguando, invariavelmente, num eterno passo atrás para uma nova tentativa de recomeço, ciclo após ciclo, esgotantes ciclos de auto esgotamento por parte da pessoa com TDAH e consequentemente de esgotamento por simpatia de quem está a seu lado.

Porém, das pessoas com TDAH, existe quem consegue encontrar mecanismos de auto proteção e após meio dia perdido em infindáveis, esgotantes e estéreis comunicações, e/ou em busca das coisas que, entretanto, perdeu pelo caminho, levando consigo para esse turbilhão quem está ao seu redor, inquinando o ambiente, a meio da tarde lá se recolhe umas horas nos seus aposentos para descansar do cansaço auto infligido, enquanto quem com ela convive fica a arrumar o estrago e a compensar o tempo perdido, para depois do seu descanso, a pessoa com TDAH, reaparecer retemperada de energias, disposta a “baralhar e dar de novo”.

Se quem partilha a vida com uma pessoa com TDAH estiver à espera, no final de uma longa e cansativa viagem, de uma cama para descansar um pouco, bem pode tirar daí a ideia, porque o mais provável é acabar por perder esse tempo à procura da chave de casa que o seu par não se recorda onde deixou e caso tenha a sorte de a encontrar num curto espaço de tempo, deve ponderar a possibilidade de a seu lado, na cama, vir a ter alguém ao telemóvel a importunar o seu sono, porque, afinal de contas está fresca por ter passado metade da viagem a dormitar em vez de fazer companhia a quem conduzia. Ou, pela manhã de um domingo, se lhe perguntar o que gostaria de fazer nesse dia, na esperança de ouvir a palavra mágica, “descansar”, o mais provável é ficar sem resposta, mas com a cabeça cheia de informação sobre agendamentos para um ano inteiro com terceiras pessoas, fruto de interesses meramente pessoais, que nunca têm em conta as necessidades do seu par, tampouco as de descanso. Trata-se de uma espécie de egoísmo implícito em ações não pensadas, como resultado de uma impulsividade descontrolada que não olha a quem para ser satisfeita.

A dualidade comportamental em idênticas circunstâncias pode ser gritante nos casos de TDAH, deixando, inclusive, a ideia de existir alguma bipolaridade associada, porque, por exemplo, tanto entram num jogo de tabuleiro com enorme afinco, querendo vencer à viva força, usando todas as estratégias e artimanhas para levar a sua por diante, monopolizando o ambiente que supostamente era para ser de mera descontração e passatempo, num agitado cenário de guerrilha, como, na semana seguinte, perante o mesmo jogo, apresentarem uma apatia tal que tanto lhes faz como lhes fez, vencer ou perder, revelando um desfoque por demais evidente.

Toda esta agitação, novidades, desafios, emoções, eternos recomeços e afins, funcionam como compensação para as dificuldades neurotransmissoras a nível do lobo frontal que impedem a devida regulação da dopamina na pessoa com TDAH, servindo, portanto, o seu par e tudo aquilo que dele possa extrair no máximo aproveitamento da sua disponibilidade, como uma espécie de tónico complementar para essa carência. Porém, rapidamente esgota a fonte, ao “servir-se” incessantemente dela e quando tal acontece, o mais provável é abandonar essa fonte e ir em busca de outra que reative o seu entusiasmo, até, também, a esgotarem e assim sucessivamente, que poderão ser fontes não humanas, claro está, pois, é muito comum nas pessoas com TDAH se refugiarem em consumos excessivos em jeito de compensação, como, por exemplo, ingestão de alimentos pouco saudáveis, ou busca de atividades socioculturais em catadupa, tudo coisas de prazer imediato.

É, de destacar, nesta “correria” desenfreada imposta pela pessoa com TDAH, o seu pior registo, a comunicação, aquilo que mais a compromete e denuncia. Tendem a revelar uma deficitária capacidade de ouvir as outras pessoas, com uma forte tendência a imporem a sua vontade e opinião, que a esgrimem até à exaustão, querendo sobrepor os seus interesses e convicções a todo o custo aos interesses e convicções das outras pessoas, sendo muito provável, a título de exemplo, que caso entendam que um filho deva seguir um determinado curso que não aquele que o filho quer, são capazes de andar dias a fio a pressionar nesse sentido e a arranjarem mecanismos muito ardilosos para o tentarem convencer a mudar de ideias, nem que isso implique com a felicidade do filho e o ambiente em casa. É, pois, muito comum o mau ambiente em família quando se tem por perto alguém com TDAH, algo que até podem reconhecer, porque os factos não o podem negar, assumindo-o em frases esclarecedoras como: “já não me suportam!” Sim, é um facto, é difícil suportar o ambiente constante de agitação quando gerado por uma pessoa com TDAH, um desconforto para quem tem de andar sempre envolvido, sem responsabilidade alguma, em busca de algo perdido, ou numa discussão recorrente de semanas por algo estéril, ou ainda porque, nada muda, por muito que se fale e aconselhe.

Ainda no contexto comunicacional, resumidamente, poder-se-á dizer que a pessoa com TDAH tenderá a falar quando não deve e a silencia-se quando deveria falar, por isso, não se deve esperar de uma pessoa com TDAH aquela palavra de alento quando se está angustiado, o mais certo é ficar em silêncio, alegando sentir-se angustiada por ver o seu par angustiado, numa clara inversão de papeis. Também, não se deve esperar ter voz ativa em qualquer debate de interesse comum, porque quando a pessoa com TDAH começa o seu discurso, dificilmente deixa falar e se o fizer, logo a seguir interrompe para mais um longo discurso, não retendo uma só palavra do que a outra parte tentou dizer, sendo bem provável, ainda, que ao terminar os seus prolongados monólogos, diga frases tão curiosas quanto: “cada qual já transmitiu as suas opiniões”; “já estamos esclarecidos”; “ficamos conversados”; ou “está, então, assim decidido”… sem sequer a outra parte ter tido a oportunidade de se manifestar.

Esgotado o “frasco do tónico” num trago só, assim como no início, as ruturas feitas pela pessoa com TDAH poderão ser revestidas de forte impulsividade, feitas sem dó nem piedade, deixando a clara ideia de uso, abuso e depois deitado fora, o que, de facto, na prática é o que acontece, existindo ou não intenção. Porém, por muito indigno que pareça para quem passa por isso, existe uma espécie de alívio aquando da libertação dessa enorme carga de agitação diária, num retomar ao tempo e espaços certos, num ritmo saudável e produtivo, criando nas pessoas que foram vítimas destas circunstâncias, ao olharem para trás, a sensação que a velocidade de acontecimentos foi tal, que um mês decorrido, parece equivaler a um ano e assim sucessivamente e de forma inglória, ficando apenas um extremo cansaço físico e mental dentro de um enorme vazio temporal.

Para quem observa a pessoa com TDAH, parece que a vida soma e segue como se nada fosse, de preferência “agitando a bandeira” da pessoa incompreendida – manipulação – existindo, inclusive, quem tente transmitir a ideia que a pessoa que deixa para trás esgotada, usada e abusada, é quem tem uma mente com problemas e que precisa de ajuda, pois, uma das outras características que poderão acontecer nas pessoas com TDAH é a dificuldade em o reconhecerem e, muito mais em aceitarem o diagnóstico, o que se compreende, pois a palavra “transtorno” é profundamente estigmatizante.

Não serão propriamente más pessoas, apenas nasceram com este problema e, naturalmente, têm de ser compreendidas ao abrigo disso, desde que se queiram tratar. Contudo, são pessoas como todas as demais no que concerne à personalidade, cada qual com a sua e, nestes casos em particular, uma personalidade humilde, naturalmente, facilita as relações e ajuda a atenuar o problema, assim como o contrário se torna um duplo problema para a própria pessoa com TDAH e um problema para quem está por perto, sob pena de acabar por ter de se resignar, anulando-se até ao passo seguinte, a tristeza e por último, constatar a insustentabilidade de uma relação assim.

Não subestimar esta realidade já seria um bom começo para se poder ajudar quem sofre de TDAH e evitar danos colaterais, mas infelizmente a sociedade atual continua de costas voltadas para a causa alheia, acomodando-se no superficial que é sempre muito mais fácil de encarar, pois, não dá trabalho como daria o aprofundar de ideias e soluções em benefício do coletivo.

Nunca é tarde para se abraçar uma boa causa e dar a mão a quem sofre de TDAH é uma delas. Porém, sem que isso implique o desgaste de quem tenta ajudar. São, geralmente, pessoas que sofrem muito no seu íntimo, cuja autoestima é paupérrima e o desnorte assustador, sendo que algumas delas têm a perfeita noção que algo não está certo com elas próprias e que sozinhas nunca se conseguirão superar, mesmo que teimem em enveredarem pelos mesmo inconsequentes procedimentos.

Boa sorte.




Pedro Ferreira © 2024
(Todos os Direitos Reservados)

sexta-feira, 19 de abril de 2024

USAVEIS E DESCARTÁVEIS

O valor da vida alheia está em baixa!

Nos tempos que correm, porque, de facto, muitas pessoas correm, em busca de satisfazerem uma eterna insatisfação, o outro ser-humano, para estas pessoas, passou a ser considerado como um mero instrumento de superação da sua insatisfação.

Por elas, passamos a ser procurados, como quem procura um produto numa farmácia que seja composto por uma fórmula milagrosa que preenche aquele vazio que de outra forma mais natural não se consegue preencher. Chegadas a casa, somos usados até à overdose e posteriormente, quer embalagem, quer blister, quer caixa, quer bula, são literalmente jogados no lixo, na melhor das hipóteses na reciclagem, quem sabe um dia serviremos para outros propósitos, igualmente consumistas.

Convencidas que desta forma conseguirão resolver as suas mais gritantes frustrações, assim vão pela vida fora, somando e seguindo, estas pessoas, uma infindável coleção de episódios muito fugazes de usufruto da vida alheia, numa ilusão sem fim que as outras pessoas apenas servem para servir.

As outras pessoas somos todas/os nós, seres-humanos dignos de respeito e consideração, que não nos poderemos sujeitar ao redutor papel de mero tónico efémero da vida de outrem. Ser-se usada/o e descartada/o por outra pessoa, é das situações mais indignas a que possamos estar sujeitos, por isso e para que isso não aconteça, é necessário algo indubitável, experiência de vida. Experiência essa que se adquire com o peito virado para a vida, o que por vezes dói. Nesses embates vamos aferindo até que ponto nos poderemos sujeitar a ser apenas algo usável e descartável na vida de alguém, ou ser alguém.

Saber o que se quer da vida é uma tarefa árdua e que se deseja o mais precoce possível, caso contrário, poderemos atropelar outros humanos, os inocentes em relação às nossas dúvidas existenciais. Posto isto, não podemos, nem ser o comprimido para as dores de cabeça seja de quem for, nem delas fazer essa medicação. Para sermos felizes e fazermos as outras pessoas felizes, existe apenas uma “medicação” possível, que se chama “Ben-U-Resolvido”.



Pedro Ferreira © 2024
(Todos os Direitos Reservados)

domingo, 26 de novembro de 2023

041 - UM DIAGNÓSTICO RECUSADO

Evidentemente que se torna profundamente estigmatizante a conotação com uma personalidade assente numa comunicação passiva-agressiva, ou, pior ainda, quando de perturbações de personalidade se trata, com uma psicopatia e outras igualmente mais complexas. Em virtude disso, pessoas neste espectro vão, obviamente, refutar qualquer diagnóstico nesse sentido.

Ademais, já seria surpreendente se tais pessoas voluntariamente se dispusessem a serem acompanhadas por especialistas, o que, infelizmente, é incomum, tampouco aceitarem qualquer resultado dessa análise. Para as mesmas pessoas, os diagnósticos estarão sempre errados, numa clara negação da sua triste realidade.

Posto isto, para as vítimas de pessoas assim, a tarefa fica dificultada, porque não podem, de maneira alguma, contar com a participação da outra parte para um possível estudo de caso e na eventualidade de o fazerem, será, única e exclusivamente para que possam tirar partido da situação, adquirindo conhecimentos acrescidos para poderem continuar a aprimorar a manipulação. Sendo assim, restará à vítima encetar essa busca por explicações, por sua exclusiva iniciativa, procurando perante especialistas e pesquizando, as respostas que tem direito em abono da sua sanidade mental.

As pessoas com uma comunicação passiva-agressiva, caso sejam confrontadas com essa realidade, responderão com frases como: “talvez o teu diagnóstico esteja errado!”. Dissecando uma resposta destas, conseguimos por si só comprovar esse mesmo diagnóstico, ou seja, reúne nela um considerável número de indicadores de ser um desses casos:

a negação do diagnostico, transferindo a responsabilidade das suas ações para um vazio, ou culpabilizando terceiras pessoas e fatores externos por algo que é exclusivamente inerente à sua condição de passiva-agressiva;

a rejeição perante o confronto com a realidade dos factos. Como qualquer pessoa com estas características tem dificuldade em expressar diretamente as suas emoções, usa preferencialmente métodos mais sutis para evitar compromissos, neste contexto em particular, seria de evitar sentir-se comprometida ao assumir um diagnóstico que a levaria a encetar um caminho de busca das soluções possíveis para com isso conseguir viver e encarar a sociedade de forma mais conseguida e menos estigmatizante, resumidamente, receio de sair da sua margem de conforto para o lado em que assume o seu problema e respetivos compromissos que daí poderiam resultar;

o incomodo da descoberta que deixa este tipo de pessoas cativas perante quem lhes retira a máscara, na medida em que adquirem, pelo menos, a consciência de que alguém será eternamente detentora da chave que desvenda a sua pouco dignificante verdade, um dos maiores, senão o maior receio de pessoas com estas características, o de serem descobertas e caírem nas “bocas do mundo” pelos piores motivos;

o pormenor “talvez”, tem o exclusivo propósito de deixa no ar a eventual existência de outro diagnóstico que lhe seja mais favorável, porém, não descartando completamente a veracidade do ora apresentado, já na sequência da dependência emocional que cria com a sua vítima e que, provavelmente, dela jamais se conseguirá libertar. Os adiamentos são típicos nestes casos e esta é uma outra forma de o fazer, no fundo, adiando o reconhecimento de algo que lhe assombra a vida, preferindo colocar um “talvez” no caminho como escudo protetor;

a não divulgação desse outro eventual diagnóstico mais favorável, levanta desde logo a sombra de desconfiança que não existirá, tampouco fruto de qualquer trabalho nesse sentido. Este é o lado mais descarado destas pessoas, a mentira. Recorrem sistematicamente à omissão de factos que as comprometam, omissão essa cujo método mais eficaz é o silêncio e as não respostas, por razões obvias, pois bem sabem que quanto mais falarem e mais responderem mais o risco correrem de denunciarem o que não lhes convém que se saiba e quando se veem encurraladas não podendo manter a omissão, nada mais lhes restará, em contraponto ao compromisso com a verdade, que não o recurso à mentira;

revela o discurso dúbio e inconclusivo, típico destas personalidades. No alinhamento do que aqui já tem sido explicado, é uma frase obviamente dúbia e inconclusiva, fazendo parte de um padrão comunicacional característico. O propósito é sempre o mesmo, uma espécie de escudo ou máscara que protege da revelação da sua verdadeira essência, aquela que não convém que se saiba, nomeadamente quando já por si só a pessoa com este tipo de características é tendencialmente parca em convivência social, quase ausente de contacto sociais e a existirem são esporádicos e de abordagens meramente de cortesia, conferindo-lhes uma falsa imagem de gente séria e cordial, de quem pouco se sabe, discreta o suficiente para não ser alvo de falatório;

esconde informação fulcral para o bom entendimento do assunto em questão, quando seria tão mais fácil para ambas as partes, facultar a respetiva informação, a existir, para que os passos seguintes fossem dados de forma perfeitamente consciente da realidade com que se está a ser confrontado, em vez desta, evidente, vantagem de uma só parte em prolongar um jogo comunicacional que alimenta o efeito dúvida, nada mais, nada menos que evitar confrontos e manifestação de frustrações de forma direta;

se estivermos um pouco mais atentos, nesta mesma frase, poder-se-á ainda encontrar o lado sarcástico destas pessoas, porque deixa no ar alguma ironia perversa de que “eu até sei o que tu nem imaginas que sei”. Numa espécie de subestimação dos conhecimentos alheios e tentativa de se sobreporem com os seus;

É sempre bom lembrar que as pessoas com este tipo de características, evitam ao máximo a abordagem presencial e refugiam-se em mensagens escritas com frases ambíguas e soltas a espaços, compostas de poucas palavras, preferencialmente com significado dúbio e inconclusivo, mesmo quando se lhes pede uma resposta simples de sim ou não, o mais provável é ler-se um “sim e não”, ou nem sequer respondem. Um dos propósitos disto, é que desta forma evitam outro risco, que é denunciarem-se pela comunicação não verbal, nomeadamente as expressões faciais, desfasadas do seu discurso, em que a mentira se solta como se fosse uma verdade inquestionável, mas o rosto rígido, de olhos esbugalhados, em simultâneo dizendo o contrário, numa aparente calma profundamente denunciadora. Este é um dos grandes “tendões de Aquiles” das pessoas com estas características passiva-agressivas, porque ao contrário de outras, as suas mentiras são tão básicas e tão evidentes que facilmente são percecionadas.

O seu desagrado, também, pode ser manifestado com outro tipo de práticas, altamente penalizadoras para com quem lida com estas pessoas, como a de adiarem tarefas ou responsabilidades, o que pode ser grave, quando em questão estejam expectativas de vida a dois, fazendo suas vítimas crerem que o caminho será nesse sentido, quando na verdade boicotam em silêncio essas expectativas, chegando mesmo a anuírem, mas as suas ações de não cooperação mostrarem exatamente o contrário. Não são pessoas sinceras, inclusive na forma de elogiarem, numa permanente crítica disfarçada.

Para encerramento desta explanação e de forma transversal a toda e qualquer circunstância e acontecimento, predomina a sua maior arma, o castigo do silêncio, inclusive no exemplo dado com a frase suprarreferida, sendo ela própria o silenciar do diagnóstico.



Pedro Ferreira © 2023
(Todos os Direitos Reservados)

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

043 - O MONÓLOGO POSSÍVEL

Uma das particularidades inerentes aos comportamentos passivos-agressivos mais evidente são os obstáculos comunicacionais deliberadamente colocados por quem tem essas características de personalidade. A comunicação em geral fica permanentemente inquinada com o claro propósito de evitarem temas sensíveis, nomeadamente os que são referentes à relação que mantêm com as suas vítimas e os motivos pelos quais nela entraram.

Para explicar este tipo de procedimento, nada melhor que dar um exemplo da comunicação que se estabelece nestes moldes, tomando como ponto de partida uma eventual viagem de carro a dois num percurso de 400 km, sendo que na mesma as iniciais PA, designam a personalidade em questão:

- Apetece-te dar um passeio?  - Pergunta a vítima, o lado construtivo da relação.

- E a ti? (inviabilização de expectativas criadas) – Responde a PA, o lado destrutivo da relação.

- Porque me devolves a pergunta se foi a ti que perguntei! – Exclama a vítima.

- Faz como entenderes! – Na mente da PA esta resposta tem implícito o descarte de qualquer responsabilidade perante outros eventuais interesses e preferências da sua vítima.

- Pronto! Como gosto de te proporcionar bons momentos, vamos lá então! – Desta forma a vítima desbloqueia a situação e assume a decisão.

- Tens preferência por algum sítio? – Coloca nova questão à PA.

- E tu? (ineficiência premeditada) – A PA volta a devolver a pergunta, exatamente com o mesmo propósito, o descarte.

Perante isto, a vítima toma os comandos da situação e tenta, sozinha, proporcionar o melhor cenário para uma viagem a dois.

Depois de percorridos os primeiros 50 km:

- Soube-te bem dormir esta meia-horinha? – Pergunta a vítima ao aperceber-se que a PA acaba de despertar do seu primeiro sono daquela viagem (o desprezo).

- Que bonita aquela paisagem ali ao fundo! – A PA desvia a conversa, para que a vítima não a desenvolva no sentido de lhe chamar à atenção para o desprezo a que foi votada logo no início da viagem que deveria ser de partilha e agrado mútuo.

Entretanto, dos 50 aos 150 km de viagem, simplesmente silêncio (a tortura do silêncio) …

Incomodada com aquela abstração e falta de companhia, a vítima volta a tentar quebrar o silêncio, usando palavras ternas e cautelosas, com receio do efeito contrário:

- Gostas da minha companhia?

- E tu, gostas da minha? (irritar pouco a pouco) – A PA volta a devolver a questão, não deixando à sua vítima outra hipótese senão entrar no jogo.

- Não achas que num casal deve existir diálogo e não este tipo de conversa disforme?

Silêncio…

Decorridos mais 50 km, aos 200 de viagem, portanto, a vítima, já uma pilha de nervos por dentro, mas contendo-se, volta a tentar:

- Fiz-te uma pergunta há meia-hora atrás e ainda não respondeste…

Silêncio… que dura mais 50 km!

Não podendo permitir durante mais tempo aquele ambiente enervante, a vítima, opta pelo monólogo e pede a atenção da PA para o que vai dizer a seguir:

- Bom, já que não dizes nada, tampouco respondes ao que te pergunto, obrigas-me a recordar-te que isso é profundamente enervante e deixa-me bastante infeliz, pois, não é suposto que alguém que diz que me ama, sujeitar-me a esta indiferença, inclusive, falta de respeito, porque no mínimo, dirias, não me apetece conversar. Porém, sei que não é isso que se passa, caso contrário nunca te apeteceria conversar, o que não é verdade, na medida em que quando estás com outras pessoas, entusiasmas-te em conversas completamente fúteis. Não me parece correto.

Silêncio… silêncio… silêncio…

E até ao fim da viagem… silêncio!

No dia seguinte… silêncio!

Entretanto, nos caminhos do dia a dia, passa a vizinha na rua e vira-se a PA para a sua vítima:

- Estás a ver aquela que ali passou! Olha, anda a trair o marido com o patrão, uma desavergonhada, ainda por cima com filhos pequenos. O marido é um doce de pessoa, trata-a tão bem e a bandida faz-lhe isto ao coitado do homem… blá… blá… bla… (interesse pela vida alheia e julgamento das outras pessoas).

Ao final da tarde, num serão em casa de familiares, novamente o mesmo assunto:

- Sabem quem passou por nós na rua? Aquela que engana o marido… blá… blá… blá…

Ao final do dia, pergunta a vítima:

- Curioso o teu entusiasmo quando o assunto é a vida alheia, em total contrate com os assuntos da vida em casal!

Silêncio…

Três meses mais tarde, entremeados de múltiplos silêncios e não respostas, ao ver a PA a demarcar-se da relação (a covardia), a vítima pergunta:

- Então, estás de partida?

Pergunta à qual a PA, surpreendentemente, responde, obviamente, com poucas palavras e em frases curtas:

- Como posso ficar na vida de quem só diz mal de mim! Que sou enervante, fútil, não faço companhia, falo da vida alheia, etc… Até fico com medo! Já nem consigo descansar só com receio do que mais irás dizer de mim a seguir …

Seis meses mais tarde, sem notícias da PA (a raiva), a vítima recebe no seu telemóvel, do nada, a seguinte mensagem: “saudades” (a evasiva), à qual responde:

- Não deves ter, caso contrário terias outro tipo comportamento.

Entretanto, algumas horas mais tarde, chega outra mensagem, dizendo: “não fui eu que me afastei, tu é que levaste a sério quando eu dei a relação por acabada”. Pasme-se!!! Isto é mesmo assim! (não assumir responsabilidades e imputá-las à outra parte).

- Estás arrependida, é! Queres voltar? – A vítima começa a testar a PA, já ciente das suas características de personalidade e da forma como age!

Umas horas mais tarde, lá vem a resposta:

- Sim!

À qual a vítima responde:

- Este sim significa que queres voltar para mim, é isso? – Novo teste!

Mais umas horas decorridas sem resposta e a vítima reformula a questão:

- Quando dizes que “sim”, é porque pretendes voltar?

Novamente silêncio de várias horas e depois de mais umas três ou quatro tentativas para que responda, finalmente, a PA manifesta-se (a procrastinação):

- Não! Esse “sim” não é resposta à tua pergunta se quero voltar, juro por Deus! (a mentira).

- Então é um “sim” referente a quê?

- Não sei explicar, já nem me lembro porque disse “sim”! (o sarcasmo).

Resumidamente, é um suplício lidar com alguém passiva-agressiva, algo profundamente enervante! Nesta breve simulação de diálogo com uma personalidade desta natureza, se encontra tudo que nela encerra: a tortura do silêncio; as não respostas; o sarcasmo; a vitimização; a desresponsabilização; a raiva contida; a covardia; a mentira; a procrastinação; enervar pouco a pouco; ineficiência premeditada; inviabilização de expectativas criadas; o julgamento alheio… a maldade em geral!



Pedro Ferreira © 2023
(Todos os Direitos Reservados)

quarta-feira, 15 de novembro de 2023

042 - TÉCNICAS DE MANIPULAÇÃO PASSIVA-AGRESSIVA

Em primeiro lugar, para se entender como são exercidas as técnicas de manipulação por parte de uma pessoa passiva-agressiva, convém recordar que este tipo de pessoas têm guardado em si, a “sete chaves”, uma necessidade de vingança constante por situações de desagrado que vão acumulando ao longo da vida e que não souberam manifestar em devido tempo, logo essa raiva contida vai escoando lentamente e de forma muito subtil sempre que as condições lhes sejam favoráveis, por vezes, nas rotinas do dia a dia, ou em momentos que parecem não se revestirem de grande importância, com pequenas atitudes que, à partida, parecem inocentes…, mas não são!

Porém, é nos momentos mais importantes e decisivos que estas pessoas aplicam o seus golpes, sempre de forma traiçoeira, levando a sua vítima a crer num determinado caminho, segurando uma das suas mãos, numa aparente passividade de quem se deixa conduzir voluntariamente, enquanto que com a outra mão lhe aplica uma facada nas costas, para mais adiante, com a maior desfaçatez ainda se virarem para a vítima e dizerem que um dia saberão porque o fizeram.

É exatamente neste ponto que entra a questão da manipulação, ou seja, a necessidade que a pessoa passiva-agressiva tem de validar uma pseudo argumentação, numa clara atitude de manter a vítima numa prisão emocional, levando-a a desgastar-se em pensamentos, procurando decifrar qual a atenuante que conferisse algum sentido para esse comportamento.

Esta forma de manipulação invisível, é, também, frequentemente utilizada para as pessoas passiva-agressivas se descartarem dos seus compromissos, deixando no ar um vazio interpretativo da situação, que confundirá a vítima e que durará para todo o sempre. Formas de agir estas, que, geralmente são legendadas por frases como: “um dia saberás porque agi assim e se não for eu a dizer-to, alguém o dirá por mim”!

Por um lado, agridem e em simultâneo vão dizendo que amam a pessoa agredida, por outro, abandonam-na e em simultâneo vão dizendo que um dia haverá uma forte explicação para isso. Naturalmente, nunca tais explicações chegarão, porque não é por amor que uma pessoa passiva-agressiva se prende às pessoas, mas por raiva. E mesmo que um dia mais tarde a vítima retomasse o assunto, a resposta iria sempre no mesmo sentido, de manter o mistério, desta feita dizendo que o tempo, entretanto, passou e já não fará sentido voltar ao assunto.

Evidentemente que esta forma de manter as vítimas emocionalmente presas, traz para a pessoa passiva-agressiva várias vantagens, de entre as quais, se destacam as seguintes:

Primeiramente, a que já se subentende nos anteriores parágrafos, que é a tentativa de passarem uma imagem de alguém que tem motivos mais que suficientes para se defender de algo, mesmo que esse algo nunca venha a ser conhecido, porque, pura e simplesmente não existe, não passando, portanto, por outras palavras, de uma forma de camuflar a verdade dos factos, num claro infundado apelo à inocência, na medida em que estão perfeitamente cientes que é de sua parte que nasce a perversidade, a mesma que não lhes convém que se saiba para não serem beliscadas na sua imagem;

Seguidamente, tais atitudes, vão proporcionar à pessoa passiva-agressiva, de igual modo, a ideia de vítima das circunstâncias, de tal forma, que o modo enfático como se referem à “grande revelação” que um dia chegará, pressupõe algo terrível e fortemente condicionante que a levou a ter tais comportamentos tão incompreensíveis, assim como justificará a própria rutura, transportando, de imediato, a mente da vítima para um eventual cenário de doença grave e, quem sabe, a tentativa implícita de poupar a parte lesada de um fardo mais pesado no futuro, num simulado ato de comiseração, quem sabe, interpretado como sendo de amor;

Por outro lado, como as pessoas com este tipo de personalidade, mentem e muito, uma obvia ferramenta de operacionalidade das suas intenções, desta forma, ao “chutarem” para diante qualquer explicação, evitam que tenham de mentir de forma descarada e serem apanhadas na hora, ou não fosse a mentira um ato de comunicação, ou seja, quanto menos explicações derem no momento e mais ao silêncio se votarem, menos risco correm de serem apanhadas a mentir, ou a contradizerem-se, muito menos a comprometerem-se. A omissão, é sempre a escapatória mais covarde.

Viver com uma pessoa passiva-agressiva, é como viver permanentemente à espera de nada, porque nada existe. Impossível criarem-se projetos conjuntos tendo por base o vazio, daí que para as vítimas, todo o ambiente gerado em torno da presença de alguém com este traço de personalidade, facilmente se torna insuportável, levando-a a definhar, a descrer, a adoecer e a envelhecer rapidamente, perdendo completamente a esperança numa relação que de início lhe foi, ardilosamente, perspetivada como promissora, restando-lhe o lamento pelo tempo perdido de forma completamente inglória e nada se aprende.

São formas muito subtis de magoar e de descarregar a raiva, um comportamento altamente perverso que não costuma olhar a quem, nem a meios, para produzir efeitos, não cuidam em saber se do lado de lá estará alguém sofrido pelas agruras da vida, ou menores, pelo contrário, quanto mais vulnerável e fragilizado estiver o seu alvo, mais campo de manobra lhes aflora para apertarem o asfixiante nó em torno da “presa”.

Não é um comportamento fácil de detetar, aliás, anda há muito tempo a dividir a classe científica, variando opiniões entre mera forma de comunicação ou perturbação de personalidade, mas para o efeito, ou melhor, para as vítimas, isso é de somenos importância, porque na verdade veem-se usadas para um único fim, serem um depósito da raiva acumulada de quem não está bem com a vida, nem se consegue integrar socialmente, vivendo de superficialidades e futilidades como forma compensatória da tristeza que é ter a plena consciência de que se tem um grave problema de personalidade altamente inibidor, que lhe confere a amarga sensação de que nunca conseguirão fazer ninguém feliz.

O mundo onde se movem estas pessoas é sombrio, frio e distante, os espaços são encarados como arenas de competição constante para ver quem mais se defende causando maior dano, num jogo sujo de parcas palavras de onde tentam sair de cara lavada e com aquele sorriso encoberto, não pela vitória pessoal, mas pela derrota alheia. Porém, quando, ao final do dia, se encontram no seu reduto, não passam de covardes guerreiras e guerreiros que se enrolam em posição fetal, num corpo fechado, isoladas/os do mundo da luz, algo que lhes atormenta as entranhas, entrando num eterno ciclo vicioso de replicarem comportamentos passivo-agressivos, de onde já não conseguem sair para o resto da vida, deixando atrás de si um lastro de dano em causa alheia, assim como de casos mal resolvidos, repletos de frustrações afetivas, cuja noção disso lhes conduz à pior condição humana, o ódio.

Contudo, por mais calculado e premeditado que seja o asfixiante abraço de uma cobra, esta poderá não ter a astúcia suficiente para selecionar a presa perfeita e é nesta margem de manobra que a vítima poderá surpreender, simplesmente, gritando ao mundo para que possam ver de que pele se reveste aquele abraço e por mais que se tente esconder no seu reduto, já não conseguirá escapar da fama que granjeou nos momentos de predação.



Pedro Ferreira © 2023
(Todos os Direitos Reservados)