sexta-feira, 17 de novembro de 2023

043 - O MONÓLOGO POSSÍVEL

Uma das particularidades inerentes aos comportamentos passivos-agressivos mais evidente são os obstáculos comunicacionais deliberadamente colocados por quem tem essas características de personalidade. A comunicação em geral fica permanentemente inquinada com o claro propósito de evitarem temas sensíveis, nomeadamente os que são referentes à relação que mantêm com as suas vítimas e os motivos pelos quais nela entraram.

Para explicar este tipo de procedimento, nada melhor que dar um exemplo da comunicação que se estabelece nestes moldes, tomando como ponto de partida uma eventual viagem de carro a dois num percurso de 400 km, sendo que na mesma as iniciais PA, designam a personalidade em questão:

- Apetece-te dar um passeio?  - Pergunta a vítima, o lado construtivo da relação.

- E a ti? (inviabilização de expectativas criadas) – Responde a PA, o lado destrutivo da relação.

- Porque me devolves a pergunta se foi a ti que perguntei! – Exclama a vítima.

- Faz como entenderes! – Na mente da PA esta resposta tem implícito o descarte de qualquer responsabilidade perante outros eventuais interesses e preferências da sua vítima.

- Pronto! Como gosto de te proporcionar bons momentos, vamos lá então! – Desta forma a vítima desbloqueia a situação e assume a decisão.

- Tens preferência por algum sítio? – Coloca nova questão à PA.

- E tu? (ineficiência premeditada) – A PA volta a devolver a pergunta, exatamente com o mesmo propósito, o descarte.

Perante isto, a vítima toma os comandos da situação e tenta, sozinha, proporcionar o melhor cenário para uma viagem a dois.

Depois de percorridos os primeiros 50 km:

- Soube-te bem dormir esta meia-horinha? – Pergunta a vítima ao aperceber-se que a PA acaba de despertar do seu primeiro sono daquela viagem (o desprezo).

- Que bonita aquela paisagem ali ao fundo! – A PA desvia a conversa, para que a vítima não a desenvolva no sentido de lhe chamar à atenção para o desprezo a que foi votada logo no início da viagem que deveria ser de partilha e agrado mútuo.

Entretanto, dos 50 aos 150 km de viagem, simplesmente silêncio (a tortura do silêncio) …

Incomodada com aquela abstração e falta de companhia, a vítima volta a tentar quebrar o silêncio, usando palavras ternas e cautelosas, com receio do efeito contrário:

- Gostas da minha companhia?

- E tu, gostas da minha? (irritar pouco a pouco) – A PA volta a devolver a questão, não deixando à sua vítima outra hipótese senão entrar no jogo.

- Não achas que num casal deve existir diálogo e não este tipo de conversa disforme?

Silêncio…

Decorridos mais 50 km, aos 200 de viagem, portanto, a vítima, já uma pilha de nervos por dentro, mas contendo-se, volta a tentar:

- Fiz-te uma pergunta há meia-hora atrás e ainda não respondeste…

Silêncio… que dura mais 50 km!

Não podendo permitir durante mais tempo aquele ambiente enervante, a vítima, opta pelo monólogo e pede a atenção da PA para o que vai dizer a seguir:

- Bom, já que não dizes nada, tampouco respondes ao que te pergunto, obrigas-me a recordar-te que isso é profundamente enervante e deixa-me bastante infeliz, pois, não é suposto que alguém que diz que me ama, sujeitar-me a esta indiferença, inclusive, falta de respeito, porque no mínimo, dirias, não me apetece conversar. Porém, sei que não é isso que se passa, caso contrário nunca te apeteceria conversar, o que não é verdade, na medida em que quando estás com outras pessoas, entusiasmas-te em conversas completamente fúteis. Não me parece correto.

Silêncio… silêncio… silêncio…

E até ao fim da viagem… silêncio!

No dia seguinte… silêncio!

Entretanto, nos caminhos do dia a dia, passa a vizinha na rua e vira-se a PA para a sua vítima:

- Estás a ver aquela que ali passou! Olha, anda a trair o marido com o patrão, uma desavergonhada, ainda por cima com filhos pequenos. O marido é um doce de pessoa, trata-a tão bem e a bandida faz-lhe isto ao coitado do homem… blá… blá… bla… (interesse pela vida alheia e julgamento das outras pessoas).

Ao final da tarde, num serão em casa de familiares, novamente o mesmo assunto:

- Sabem quem passou por nós na rua? Aquela que engana o marido… blá… blá… blá…

Ao final do dia, pergunta a vítima:

- Curioso o teu entusiasmo quando o assunto é a vida alheia, em total contrate com os assuntos da vida em casal!

Silêncio…

Três meses mais tarde, entremeados de múltiplos silêncios e não respostas, ao ver a PA a demarcar-se da relação (a covardia), a vítima pergunta:

- Então, estás de partida?

Pergunta à qual a PA, surpreendentemente, responde, obviamente, com poucas palavras e em frases curtas:

- Como posso ficar na vida de quem só diz mal de mim! Que sou enervante, fútil, não faço companhia, falo da vida alheia, etc… Até fico com medo! Já nem consigo descansar só com receio do que mais irás dizer de mim a seguir …

Seis meses mais tarde, sem notícias da PA (a raiva), a vítima recebe no seu telemóvel, do nada, a seguinte mensagem: “saudades” (a evasiva), à qual responde:

- Não deves ter, caso contrário terias outro tipo comportamento.

Entretanto, algumas horas mais tarde, chega outra mensagem, dizendo: “não fui eu que me afastei, tu é que levaste a sério quando eu dei a relação por acabada”. Pasme-se!!! Isto é mesmo assim! (não assumir responsabilidades e imputá-las à outra parte).

- Estás arrependida, é! Queres voltar? – A vítima começa a testar a PA, já ciente das suas características de personalidade e da forma como age!

Umas horas mais tarde, lá vem a resposta:

- Sim!

À qual a vítima responde:

- Este sim significa que queres voltar para mim, é isso? – Novo teste!

Mais umas horas decorridas sem resposta e a vítima reformula a questão:

- Quando dizes que “sim”, é porque pretendes voltar?

Novamente silêncio de várias horas e depois de mais umas três ou quatro tentativas para que responda, finalmente, a PA manifesta-se (a procrastinação):

- Não! Esse “sim” não é resposta à tua pergunta se quero voltar, juro por Deus! (a mentira).

- Então é um “sim” referente a quê?

- Não sei explicar, já nem me lembro porque disse “sim”! (o sarcasmo).

Resumidamente, é um suplício lidar com alguém passiva-agressiva, algo profundamente enervante! Nesta breve simulação de diálogo com uma personalidade desta natureza, se encontra tudo que nela encerra: a tortura do silêncio; as não respostas; o sarcasmo; a vitimização; a desresponsabilização; a raiva contida; a covardia; a mentira; a procrastinação; enervar pouco a pouco; ineficiência premeditada; inviabilização de expectativas criadas; o julgamento alheio… a maldade em geral!



Pedro Ferreira © 2023
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