terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

HEDONISMO SUICIDA

Os propósitos de vida atuais, nomeadamente nas sociedades ditas evoluídas ou em vias disso, tende, de há bastante tempo a esta parte, a colocar o individuo em torno de si mesmo, como se cada qual estivesse convicto de ser o único humano à face da Terra, convertendo tudo o resto, incluindo as outras pessoas, em meras coisas das quais tentam tirar o máximo proveito possível por mero prazer pessoal, para serem descartadas de seguida assim que já não sirvam esse propósito.

Provavelmente, tratar-se-á de uma tendência meramente conjuntural, uma espécie de antecâmara, quiçá, para uma fase da humanidade com tendências ainda mais complexas e destrutivas, perigando a própria existência da espécie, que é naturalmente gregária, a antítese do culto do individuo. Poder-se-á então dizer que a humanidade está a assistir à passagem de uma corrente contrária ao percurso natural da vida humana, que é, na sua essência, caminhar no sentido do garante da preservação da espécie e de tudo aquilo que torna a Terra habitável.

O ressurgimento em força e em grande escala do hedonismo, ou o pleno egoísmo - se assim se preferir apelidar a esta corrente -, veio revelar o que de mais obscuro poderá conter o ser-humano, na medida em que, atendendo ao momento complicado que o mundo atravessa, pautado por inúmeros fenómenos sociais e naturais adversos, supostamente, a tendência deveria ser outra, ou seja, a entreajuda, para que tais adversidades pudessem ser mais facilmente superadas e não o contrário. Contudo, é exatamente neste cenário desfavorável para toda a humanidade que o hedonismo, que tem como propósito único o usufruto máximo de prazer individual, se sobrepõe em grande escala ao bem-estar coletivo.

Tal fenómeno, traz consigo um perigo acrescido, um presumível aumento do número de suicídios, na medida em que parece ficar claro que, ora finda a capacidade de se sentir prazer, que por motivos vários pode acontecer de um momento para o outro e a qualquer pessoa, que nada mais lhes restará como objetivo de vida para além do prazer de pôr cobro à vida.

Ou de uma mera utopia se trata! Fica a dúvida, porque, por exemplo, quando se assiste ao salvamento das vítimas de terramotos, em muitos casos já na fronteira entre a vida e a morte, cai, literalmente, por terra, qualquer pensamento hedonista, como se tratasse do momento exato em que os pés são colocados no chão e se desperta para a realidade da vida. Por isto, não será assim muito crível que num momento de aflição como esse, ou noutro qualquer, um hedonista (o mais egoísta de todos) sinta prazer no seu sofrimento e que não tenha como único objetivo de vida, o garante da sua própria vida. Ademais, que mesmo para voltar a sentir prazer, naquele momento difícil, não consiga entender que, afinal de contas, não depende apenas de si próprio, mas sim de quem arrisca a própria vida, sem prazer algum, para garantir a sua.

Evidentemente, que um fenómeno desta natureza, não nasce do acaso, nem aparece na sociedade por si só, deriva de um conjunto de outros fenómenos, fruto de pensamentos coletivos que levam a ideologias de vida - ou de prazer na morte - e consequentes práticas duvidosas, como o satanismo e seus derivados. Nem as pessoas mais distantes destes fenómenos deverão subestimar que, neste preciso momento, por todo o mundo, no extremo destas práticas, várias pessoas, crianças em particular, estão a ser torturadas, ou mesmo assassinadas, em diversos rituais macabros por mero prazer de algumas criaturas que pensam exatamente desta forma correlacionada com o hedonismo.

Não é, em definitivo, este Tempus em que o ser-humano no seu juízo perfeito pode continuar a acreditar que no seu semelhante estará, à partida, alguém com idênticos ideais de vida solidários e de cooperação, que perante a adversidade lhe dará a mão instintivamente. Hoje em dia, o entendimento é outro e ingénua é toda a pessoa que ainda pense dessa forma, tornando-se vulnerável neste mundo repleto de obscurantismo dominante, onde as leis comuns e as normas regulares da sociedade são, simplesmente, um motivo de chacota para os membros de um mundo à parte daquele que fomos habituados a ver.

Aos poucos, muito lentamente, o cidadão comum, mesmo as pessoas mais incrédulas e inocentes, ou até as mais desinteressadas, já vão tendo alguma noção do crescendo de personalidades narcísicas e egoístas por todo o lado, assim como de outras personalidades igualmente transtornadas. No entanto, esse despertar tem sido sempre muito tardio, portanto, estéril no que concerne à prevenção e sua mitigação, não impeditivo de tais fenómenos crescerem até este ponto de não retorno, cujas consequências, por mais evidentes que sejam, são, igualmente pelo comum cidadão, subestimadas, não sendo assim possível antever a dimensão e gravidade a que este novo hedonismo latente poderá conduzir toda a humanidade, ou se já se trata, por si só, de um suicídio coletivo a decorrer perante o nosso olhar e a passividade de uma considerável maioria desatenta e desinteressada, alvos fáceis e abundantes para um considerável número de oportunistas em busca de prazer fácil, que caçam as suas vítimas com o engodo de que a felicidade está exclusivamente ligada a sensação de prazer, nomeadamente aquele que se consegue sentir por via do consumo desmesurado, especialmente de substâncias viciantes e por via de práticas de cariz sexual sem limites.


Pedro Ferreira © 2023
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