Não vale a pena: tentar convencer a quem esfrega as mãos em sangue alheio, que não tem as mãos lavadas; dizer a quem não repara nas lágrimas de quem sofre, que a sua visão é turva e sem alcance; provar a quem se deleita no suor de outrem, que o seu odor não é agradável; fazer perceber a quem tem alma sombria, que jamais trará luz ao mundo; explicar a quem vive nas trevas, que nem ao sol conseguirá brilhar; pedir a quem mente, que feche a boca porque o seu bafo é desagradável; informar a quem cai frequentemente no ridículo, que diferença não é sinónimo de ridículo; suplicar a quem se vangloria, que palavra alguma poderá esconder a realidade; fazer o reparo a quem só tem dinheiro, que o carácter não se compra, adquire-se; esperar de quem não sente a dor alheia, que tenha bons sentimentos; tentar impedir a quem se habituou a roubar vida aos outros porque não tem uma, que o deixe de fazer; e acreditar que quem desconhece o amor, possa amar;
Não vale a pena fazer
nada disto! Quem se convence ser uma pessoa exemplar, mesmo que os seus atos
revelem exatamente o contrário, jamais, aceitará qualquer contestação a esse
convencimento.
Por este motivo, é comum
encontrar alguns discursos amplamente egocêntricos, que fazem a apologia a um
“eu” quase imaculado, algo como um vício de si próprio, que não permite que o
viciado aceite a ideia que qualquer vício é prejudicial e que este não foge à
regra.
Às pessoas moralmente
bem formadas assiste o direito à indignação perante o facto de alguém que deixa
à sua passagem um lastro de dor e sofrimento em vida alheia, ter o descaramento
de apresentar-se em público com um discurso de exaltação do seu "bondoso
eu”. Lamentavelmente, isto somente é possível, porque este ser pernicioso, é
apenas um de entre muitos que entendem a vida do mesmo modo egoísta, que quando
juntos, formam uma massa humana considerável que exerce sobre a minoria de
seres corretos um peso demasiadamente elevado para que estes últimos possam ser
tidos em conta, quanto mais ouvidos os seus reparos.
Efetivamente, no mundo,
já existem demasiadas pessoas cuja vida afetiva está definitivamente
hipotecada, ou mesmo sem qualquer possibilidade de ser reativada. Tratam-se de
seres perto de serem exclusivamente racionais, que vivem um dia atrás do outro,
num constante “empurra daqui, empurra dali” para conseguirem obter para si o
melhor quinhão de tudo aquilo que lhes possa conferir fama, proporcionar
prazer, lhes dê lucro e rasgados elogios.
“A vida está para os
espertos”, ouve-se desde tempos longínquos, e é assim, de facto, nessa base da
esperteza que as pessoas se vão inter-relacionando, uns tentando sê-lo, outros
destes tentando se defender.
Se o homem tivesse a
faculdade de ver o que lhe espera mais adiante, provavelmente, veria o
resultado do que tem semeado nos últimos tempos, ou seja, um cenário onde todos
apontarão o dedo a todos, tentando sacudir de cima de si a responsabilidade de
terem contribuído para uma colheita de intragáveis subprodutos da sociedade.
Esta é das tais
situações em que a desistência é para os mais capazes, aqueles que conseguem
ver a esta distância, interiorizando, desde já, a ideia que não adianta
qualquer dispêndio de energia em causa alheia, quando esta não tem solução
possível.
Também, se costuma ouvir
dizer, que se não for o próprio a ter vontade de mudar, ninguém o conseguirá
fazer no seu lugar. Porém, talvez já nem este lema faça sentido, enquanto
existir neste vasto leque de pessoas perdidas, um considerável número delas que
já não conseguem libertar-se deste vício de si próprias.
Relata quem o
experiencia, que os vícios os transporta para um estado de abstração da
realidade, algo como entrar num mundo ilusório de luz, onde toda a memória
negativa se apaga. Portanto, não muito diferente daquilo que sentem os viciados
em si próprios, veem-se como seres iluminados, repletos de virtudes,
imaculados, que apregoam ao mundo, tantas vezes em delírio, discursos de amor
ao próximo e louvores ao Altíssimo.
Pedro Ferreira
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