sábado, 30 de setembro de 2023

PODERÁ UMA PERSONALIDADE PASSIVA-AGRESSIVA DEIXAR DE O SER?

Provavelmente, muitas das pessoas que leem este texto já terão conhecido alguém que perante questões interpessoais que têm de ser resolvidas, no lugar do diálogo para se chegar a um consenso, vota-se ao silêncio, pesando o ambiente e agravando a situação.

Existe a forte possibilidade de estarem perante alguém com uma personalidade passiva-agressiva;

Para além dos silêncios, são pessoas que manifestam atitudes e um modo de estar em geral que se caracteriza, de entre outras formas, das seguintes, nomeadamente em relações a dois, ou de coabitação:

São frequentemente sarcásticas e inconvenientes, fazendo chacota das limitações e dificuldades alheias, assim como de quem vê as coisas de forma diferente da sua. Exemplos: captam disfarçadamente e de forma abusiva, entrando em devassa da vida privada, imagens de quem se apresenta de uma maneira mais simplória, que depois mostram a terceiras pessoas, em complô, com o propósito de despertar risada coletiva; e/ou recolhem escritos de quem revela menor iliteracia, com a mesma finalidade;

Tendem a realizar algumas tarefas, propositadamente, de forma ineficiente, nomeadamente as rotineiras, para de seguida poderem alegar “falta de jeito”, com o objetivo delas se descartarem, assim como das responsabilidades caso algo não decorra conforme suposto. Exemplos: colocam a loiça na máquina sem qualquer critério e dizem que a seguir alguém a colocará devidamente; e/ou desculpam-se da falta de iniciativa para confecionar refeições dizendo que a outra parte as confeciona melhor;

Agem de forma a irritar as outras pessoas pouco a pouco, principalmente quando alguém lhes refere algo em desagrado, o que espoleta na pessoa passiva-agressiva a vontade de fazer cada vez mais e pior. Exemplos: se a pessoa com quem vive disser que gosta de companhia às refeições, tendem a serem as últimas a sentarem-se à mesa, não disfarçando que estão a fazê-lo por frete; e/ou recusarem-se a dar sugestões para uma refeição fora de casa, para de seguida apontarem defeitos à escolha feita pelo seu par;

Reprimem ou negam, assim como evitam expressar sentimentos negativos, dizendo que está tudo bem quando, na verdade, estão visivelmente incomodadas. Porém não os desvalorizam, pelo contrário, acumulam-nos no seu íntimo. Exemplos: passam horas a fio num constante estado de tensão pautado por uma resposta agressivamente silenciosa, no lugar de reportarem aquilo que lhes incomoda; e/ou refugiam-se em expressões como “tanto faz” para dias mais tarde, cobrarem que os seus interesses e preferências não foram tidos em conta;

São pessoas dadas à procrastinação de forma a compensarem as suas frustrações e, em simultâneo, produzirem um efeito de ansiedade nas outras pessoas, deixando pendentes iniciativas pontuais previamente combinadas. Exemplos: largarem o telemóvel somente uns 10 minutos depois de ter iniciado o filme que foi combinado ver a dois; e/ou deixando-se estar no conforto do sofá da sala na receção às pessoas convidadas para um almoço, enquanto a outra parte organiza a refeição sozinha;

As pessoas com personalidade passiva-agressiva, criam expectativas de cooperação, mas secretamente escondem a não intenção de cooperarem, gerando, desta forma, expectativas infundadas em quem nelas acreditou. Exemplos: darem a entender interesse numa relação séria e de futuro com alguém, mas esquivarem-se sempre a todas as iniciativas e diálogos sobre esse propósito, não se importando minimamente com o facto da outra parte ter tal objetivo como ideal de vida, tampouco se inibem de envolver nesse contexto de falsidade seja quem for, familiares diretos, menores e afins; e/ou ainda naquelas situações em que o seu par revela um interesse em marcar presença num evento social para o qual foi convidado e por mais vezes que lhe recorde o convite, não dão qualquer resposta, fingindo esquecimento;

São pessoas evasivas e reservadas, seres escorregadios que ninguém sabe muito bem porque lado pode pegar. Tentam passar uma imagem social irrepreensível, no entanto, na sombra são capazes das piores indecências, ficando apavoradas com a ideia de serem descobertas e se tronarem motivo de conversa. Exemplos: desdobrarem-se em críticas aos comportamentos alheios, fazendo reparos sucessivos caso não encontrem as coisas como deveriam ser apresentadas, porém capazes de desarrumarem abusivamente o expositor de uma loja e à saída dizerem que quem lá trabalha é paga para arrumar; e/ou deitarem lixo para o chão e dizerem que alguém será pago para limpar;

Utilizam como meio de comunicação preferencial as mensagens de texto para evitarem o contato direto. Exemplo: no lugar dos diálogos frente a frente em permanente troca de ideias com busca a um entendimento, refugiam-se em mensagens eletrónicas fora de contexto e a despropósito, que sabem não as comprometerem e que em simultâneo irão frustrar os propósitos de diálogo de quem as recebe, num permanente passa à frente em relação à resolução de assuntos pendentes, os tais que lhes convém manter por resolver, como método de agressão passiva;

Fazem-se de vítimas em relação a uma pessoa que lhes expressa abertamente algum desagrado. Exemplos: se o seu par lhes disser, justificadamente, que não gostou do seu comportamento em determinada circunstância, dizem-se vítimas do facto de serem recriminadas, ao ponto de alegarem não conseguirem descansar à noite com receio de voltarem a ouvir um reparo no dia seguinte; e/ou capazes de efetivarem claramente ruturas afetivas, de malas feitas à porta e depois culparem o seu par do fim da relação porque não deveria ter entendido a rutura como tal, mas sim como uma mera zanga circunstancial de casal; e/ou, ainda a este último propósito, voltarem a culpabilizar a verdadeira vítima de ter inviabilizado o retorno ao manifestar a sua revolta pela forma indigna como foi posto fim à relação;

São pessoas controladoras. Exemplos: utilizam janelas, varandas e terraços como postos de vigia preferenciais de onde espreitam a vida alheia; e/ou utilizando monitores com a ilusão de sobre essas pessoas exercerem algum controlo ao pesquizarem dados pessoais e comportamentos em rede; e/ou caminharem pela rua a olhar sistematicamente para trás até perderem de vista a pessoa alvo que identificaram de passagem;

Projetam as suas falhas nas outras pessoas. Exemplos: se forem grosseiras numa resposta, a culpa foi da parte que as surpreendeu com a pergunta; e/ou quando colocam perguntas ofensivas e tendenciosas, a culpa, também, é da outra parte, porque levou a sério e não entendeu que “foi a brincar”;

São pessoas manipuladoras. Exemplo: ficam várias horas sem darem notícias e quando a outra parte se mostra em desagrado, colocam-se logo no papel de vítimas do reparo, alegando como desculpa o facto de terem ido às compras e que nelas incluía uma surpresa, que dessa forma ficou inviabilizada, numa clara chantagem emocional; e/ou, mentem descaradamente, inclusive sob jura divina, simplesmente para tentarem impedir que a outra parte dê conta da verdade e não as confronte com ela;

Nunca respondem de forma objetiva e clara, pelo contrário, à mais trivial questão, ou à mais complexa, respondem sempre de forma dúbia, ou devolvendo a pergunta: Exemplos: se lhes perguntarem se querem ir à praia ou ao campo, respondem com a mesma pergunta, “e tu”; e/ou se lhes perguntarem se têm saudades de algo ou de alguém, respondem que “sim e não”; e/ou se lhes perguntarem quando podem conversar, se hoje, amanhã ou noutro dia, respondem simplesmente “não posso”;

Terminam as suas relações com recurso ao Ghosting, afastando-se repentinamente, assim como, posteriormente, se dedicam ao chamado Haunting, enviando mensagens avulso à vítima completamente fora de contexto e sem processo de continuidade. Exemplo: escolhem datas emocionalmente significativas para a vítima e endereçam mensagens curtas e padronizadas com o propósito de afetar emocionalmente o seu alvo; e/ou fazerem, exatamente o mesmo, em datas de significativas referentes à relação que elas próprias romperam; fazem ligações telefónicas para a vítima, quando intuem que esteja na companhia de outra pessoa, alegando tratar-se de um engano, simplesmente para causarem desconforto.

São inúmeros os tópicos que aqui caberiam para definirem os comportamentos das personalidades passivas-agressivas, um tipo de personalidade que já constou da lista de perturbações de personalidade, porém, em virtude das diferentes opiniões técnicas sobre o assunto, acaba por ser considerado, apenas, um traço de personalidade, daí o propósito do título deste texto, de tentar aferir até que ponto pode ser reversível.

É de bom senso desejar-se o melhor para as vítimas de pessoas que se viram envolvidas com quem tenha uma personalidade passiva-agressiva, assim como será de bom senso desejar que seja possível que quem a tem possa tornar-se melhor pessoa, porém, não parece ser fácil, pois, para além de tudo aquilo que atrás se refere, tratam-se de pessoas que recusam terminantemente aceitar a ideia de assim o serem, não aceitando qualquer tipo de aconselhamento.

Trata-se, portanto, de uma questão que viverá eternamente no ar sem uma resposta concreta, quiçá uma esperança infundada que a própria pessoa com uma personalidade passiva-agressiva, por si só, movida por uma força maior, um dia mais tarde, se toque e peça ajuda.

Quem vive com alguém que tenha uma personalidade passiva-agressiva, vive num constante turbilhão de emoções contidas, que provoca desgaste e tristeza galopantes, consequências do não retorno às solicitações de debate sobre as questões prementes que os une, levando a vítima, mais adiante, à inibição de convite aos diálogos, com receio de voltar a incomodar-se sem proveito algum, resultando em mais desgaste, porque sabe, de antemão, que eles não vão acontecer. É o equivalente a viver sistematicamente num tormento marcado por uma eterna indefinição, num galopante dia a dia sem rumo, uma autossabotagem sem a garantia de resultados práticos, um sim e um não a todo o segundo, no fundo, ir a jogo onde a derrota é o único desfecho possível.



Pedro Ferreira © 2023
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